(*) Franklin da Cruz Santos
No Brasil, Justiça Trabalhista é sinônimo do mais alto grau de lobby na comparação com as demais instituições dos Três Poderes da República. Ao menor sinal de que há intenção de rever a estrutura pesadíssima desse ramo do Poder Judiciário, os movimentos são intensos na tentativa de manter os privilégios.
Com a manutenção dessa estrutura, o Brasil vai gastar R$ 21,5 bilhões em 2019. Desse valor, cerca de R$ 18 bilhões será destinado para pagamento da folha de pessoal e encargos sociais. Outro R$ 1,9 bilhão com o custeio da máquina pública trabalhista, R$ 1 bilhão para pagamento de benefícios e R$ 523 milhões em investimentos, como construções, reformas e implantações de mais Varas de Trabalho.
É uma indústria de peso elevado para o Estado Brasileiro. A finalidade é deixar claro para a sociedade que a Justiça do Trabalho é fundamental para o país. E o alimento são as ações ingressadas diariamente nas varas municipais. Quanto mais processos abertos, mais cresce o lobby dos profissionais que gravitam em torno dessa Justiça.
A estrutura é grande. São quase 57 mil pessoas que, de alguma forma, recebem salário da Justiça Trabalhista, das quais 42 mil servidores, 10 mil auxiliares e, acredite, 3,6 mil magistrados. O menor salário de um servidor gira em torno de R$ 15 mil. Um magistrado recebe remuneração que varia de R$ 40 mil a R$ 100 mil com benefícios dos mais variados, numa rubrica chamada “vantagens pessoais”.
O roteiro desse teatro de alto custo aos cofres públicos se baseia, repita-se, na abertura de ações trabalhistas. Os atores principais são um trabalhador mal-intencionado e um advogado espertalhão. A peça começa com eles. Nas instâncias da Justiça Trabalhista, entram novos atores, como juiz de conciliação. E assim se constrói a história dos processos trabalhistas no Brasil. Evidentemente que há os justos e necessários.
Em casa, outra personagem desse teatro: minha esposa empreendedora, a parte mais frágil desse enredo. Nos 12 meses de funcionamento da sua loja, houve a demissão de 14 funcionários, seja por decisão da empresa, seja por decisão dos próprios trabalhadores. Todas as rescisões foram tratadas com extremo cuidado, dentro da legalidade, para não infringir a lei trabalhista.
No entanto, num belo dia do mês de maio, ela recebeu notificação. Um funcionário a acionou pedindo horas extras, entre outros direitos. Minha esposa se desesperou porque garante que o dito funcionário nunca fez horas extras. A empresa dela não tem necessidade de pagar horas adicionais por adotar regime de turno. Ela teve que contratar advogado, cujos honorários ficaram em R$ 4 mil.
Foi para a primeira audiência. Ao chegar ao Fórum Trabalhista de Taguatinga, ela e seu advogado foram abordados por um funcionário da Justiça do Trabalho, espécie de intermediador de acordo. E aí começou a pressão em cima da minha mulher para que aceitasse um acordo, no valor de R$ 8 mil. Ela argumentou, no entanto, que não devia nada e que tinha como provar.
O representante do fórum voltou à parte acusadora informando que o empregador não aceitou a proposta. Houve contraproposta: R$ 6 mil em seis parcelas. Minha esposa continuou negando acordo. O conciliador manteve o tom ameaçador: “É melhor fazer acordo porque há risco de a senhora perder a ação”. E ela respondia: “Mas eu não devo nada porque tenho que dar dinheiro a ele”?
Do fórum, ela me ligou contando tudo. Dizia que estava sendo pressionada a fazer acordo, mesmo dizendo que nada devia. E eu a orientei: “Diga que você quer justiça apenas e que, ao aceitar o acordo, vai estar assumindo que deve algo e você vai virar estatística para que a Justiça Trabalhista venda a imagem de ‘órgão de conciliação’ à custa do seu dinheiro”.
Minha mulher, mesmo aflita, entendeu e fechamos nossa defesa: iríamos buscar justiça até o fim. Aconteça o que acontecer, decidimos apostar que a Justiça Trabalhista, diferentemente do que dizem todos, não atua para beneficiar apenas um lado.
A tese sobre a parcialidade da Justiça do Trabalho no Brasil, favorável ao trabalhador e amplamente desfavorável ao empregador, se constrói por conta de declarações dos atores envolvidos. Vamos ver algumas delas.
. “Entre com a ação. Você vai ganhar. Eu já ganhei várias…” (de funcionário para funcionário).
. “Pode ficar tranquilo que a gente coloca várias coisas. Vamos pedir R$ 40 mil para tentar fazer acordo de R$ 8 mil” (do advogado do ex-funcionário).
. “É complicado. A senhora é que tem de provar que ele não tem esses direitos. Ele pede o que quiser e cabe a sua empresa apresentar provas” (do advogado da empresa).
. “É melhor fazer acordo porque é difícil ele (ex-funcionário) perder. Os juízes são sempre a favor do trabalhador” (do representante do fórum trabalhista, no dia da audiência de conciliação, tentando fechar acordo entre empregador e empregado).
O pânico da minha mulher tinha explicação. Todos os atores estão contra ela, contra o empregador, contra o réu. Só se mostrou menos assustada quando eu disse que, se ela quisesse justiça, teria que seguir adiante, até às últimas instâncias.
“Justiça, ainda que tardia” é uma frase apropriada para o empregador que não quiser virar estatística da Justiça Trabalhista no Brasil, na primeira audiência de conciliação. A ela, interessa o acordo. É sua derrota disfarçada de vitória.
(*) Franklin da Cruz Santos, jornalista e psicopedagogo em Brasília