A morte de uma criança de 5 anos, atingida por bala perdida durante confronto entre traficantes e milícia, em Realengo, no Rio de Janeiro, não tem tido a mesma repercussão de casos parecidos. A explicação: o tiro que atingiu a criança não partiu de arma da polícia.
Segundo a Polícia Civil do Rio, uma disputa entre o tráfico de drogas e a milícia pode ter pode ter causado a morte de Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, de 5 anos, e do adolescente Davi Gabriel Martins do Nascimento, de 17, na tarde de terça-feira.
— Eles não aceitam o tráfico de drogas e os meninos que ficam aqui na praça. Ontem, vieram e mataram esse cara que era o mais problemático daqui — disse uma comerciante do local que pediu anonimato.
De acordo com testemunhas, Davi chegou a trocar tiros com os executores. Marcas de disparos ficaram nas paredes de uma das casas da rua Paula Nei.
A criança foi atingida em frente à Escola Municipal Professor Afonso Henrique de Saldanha e a poucos metros da Escola Municipal Stella Guerra Duval, onde entraria para estudar às 13h.
Justiça com as próprias mãos
Augusto de Oliveira, 28, pintor desempregado e pai da pequena Ketellen, esteve no IML de Campo Grande, na manhã desta quarta-feira. Abalado, o homem disse que “se pudesse faria justiça com as próprias mãos”.
Separado da mãe da vítima, ele lembrou também que esteve com a filha há três semanas durante um banho de piscina.
— A minha sensação é pegar o cara que fez isso e fazer o mesmo com ele. A minha filha só tinha 5 anos. Eu a vi nascer. Ela era muito agarrada comigo. Eu tenho uma filha mais velha, e a Ketellen era a mais agarrada comigo — disse o homem.
— Quando eu estava triste, ela vinha e me fazia carinho no rosto e dizia: “Não fica triste, papai”. Há três semanas ela ficou lá em casa e depois veio correndo e falou: “Papai, agora vou à casa da mamãe. Essa foi a última vez que vi a minha filha viva. Ontem, a vi morta no hospital — completou o pai aos prantos.
Os familiares da menina, que moram na localidade conhecida como Barata, em Realengo, contam que todos os dias a mãe levava a pequena de bicicleta para a escola.
A copeira Dayse da Costa, de 60 anos, tia paterna da menina disse que mãe e filha saíam de casa às 12h45m e a pequena entrava na escola às 13h.
— De onde moramos até a escola é rápido. A Jessica (mãe) levava ela na garupa de uma bicicleta. Ontem, não foi diferente. A Ketellen foi baleada quando estava sentada na bicicleta. Elas passaram na hora errada. Os caras passavam correndo atrás do cara que morreu e atingiu na perna. A Jessica viu ela caindo — salientou a tia.
Segundo a mulher, a criança ainda acalmou a mãe ao ser baleada:
— Ela ainda disse para mãe: “Mamãe, não chora. Não chora”.
De acordo com o laudo IML, a menina lesionou vasos de um membro por um projétil de arma de fogo. Ela entrou em choque porque perdeu muito sangue.
Segundo o hospital, a criança teve três paradas cardiorrespiratórias, após a cirurgia. Os médicos ainda tentaram reanimar a menina, em vão.
— A mãe está em choque, passando muito mal. Saiu para resolver as burocracias do cartório, só que não aguentou. Ela tomou um calmante e está dormindo. A Ketellen era o xodó da mãe e do pai, a caçula. Uma criança muito carinhosa — disse Dayse.
O enterro de Ketellen será amanhã, às 14h, no Cemitério do Murundu, em Realengo. Não haverá velório.
Com informações do Jornal Extra