De Brasília
Em tempos sombrios, em que o Brasil e o mundo enfrentam a maior crise sanitária da história, um juiz de Brasília determinou o despejo de um comerciante em Águas Claras, no momento de maior pico de contágio do novo coronavírus.
A decisão de Luís Martius Holanda Bezerra Junior, juiz titular da 22ª Vara de Brasília, foi tomada em 22 de abril. A sentença foi dada dois dias depois que a parte autora pediu o cumprimento do despejo, decidido pelo próprio juiz em primeira instância.
Mas o prazo, de 15 dias úteis, começou a correr em 4 de maio por causa da suspensão dos prazos processuais, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça.
O comerciante ainda tentou evitar o desalojamento. Na quinta-feira (14/5), às 15h46, foi pedida audiência de conciliação. No entanto, às 17h31, uma hora e 45 minutos depois, o magistrado negou.
“Determinar despejo no pior estágio da Covid-19 é cruel, injusto e desproporcional. O país está quebrado, a economia aos frangalhos, o comércio fechando as portas e aí vem uma decisão judicial atravessada”, reclama o comerciante, que prefere não se identificar. “Espero que essa decisão seja revista”.
A decisão, garante ele, causará a demissão de 17 funcionários diretos e dezenas de outros indiretamente. “Quando há despejo, os prejuízos são enormes. Perdem todos: trabalhadores, comerciantes e governo, que deixa de arrecadar, além do peso de ter que pagar benefícios aos que ficarem desempregados”, avalia.
Recurso não julgado
Outra reclamação é que o comércio pode ser despejado sem que o recurso tenha sido analisado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. “Vamos ser despejados sem que nosso recurso tenha sido julgado pelo colegiado”, diz, afirmando que a família gastou R$ 380 mil para reformar a loja onde só ficará por menos de dois anos.
A disputa entre o proprietário do imóvel e o comerciante começou em março de 2019. O locador entrou com ação pedindo aluguel anterior à entrada do locatário na loja, mais correção de aluguéis atrasados e pagamento do IPTU.
O comerciante garante que o pagamento do aluguel teria início a partir do momento em que o Governo do Distrito Federal liberasse o prédio para as obras de reforma. Para comprovar esse acordo, foi apresentada uma mensagem, via WhatsApp, em que o proprietário da loja confirma essa versão, ignorada pelo juiz, segundo o réu.
“É das coisas mais absurdas que se viu. Como alguém irá pagar R$ 10 mil de aluguel por um imóvel que está impedido de ser usado por órgão de fiscalização?”, indaga. “O magistrado ignorou prova de WhatsApp, que hoje está sendo utilizado até para investigar conversas entre o presidente da República e um dos seus ministros”, revolta-se.
Sobre a correção, o locatário afirma que a cláusula é abusiva, enquanto o pagamento do IPTU só não foi feito porque o próprio locador pediu para aguardar resultado de um recurso para reduzir o valor do imposto. “O juiz aceitou, como verdade absoluta, cálculos feitos pelo locador, sem contestar nada”, descreve.
“Direito ao esquecimento”
Luís Martius é autor do livro “Direito ao esquecimento”. Com prefácio do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a publicação discute a existência e o alcance que pode ser casuisticamente reconhecido a um direito ao esquecimento, como forma de estabelecer, salvo em situações de inequívoco interesse público, uma limitação temporal para a manutenção e divulgação de fatos pessoais do passado.