O Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu, após 11 anos, que esquema montado pela Prefeitura de Dourados, com vereadores e empresários, desviou R$ 25.233.369,92 em recursos federais destinados à saúde do município. Os convênios fraudulentos foram assinados em 2009 e 2010 entre o município e a Associação Beneficente Douradense (ABD).
Esse resultado está em tomada de contas especial aprovada semana passada, por unanimidade, pelo plenário do tribunal, após cinco anos de investigações, as quais foram iniciadas em 2016, por decisão do ministro José Múcio Monteiro.
Relatório a que o Campo Grande News e o MS em Brasília tiveram acesso mostra que o esquema funcionava por meio do pagamento em duplicidade dos serviços médicos e hospitalares prestados ao Hospital da Mulher e Hospital de Urgência e Trauma, referentes ao contrato 10/2009 e dos convênios PMD 96/2009 e 97/2009.
O caso fez parte da Operação Uragano, um dos maiores escândalos políticos de Dourados, deflagrada em 2010 pela Polícia Federal com objetivo de investigar esquema de desvio de recursos na Prefeitura de Dourados.
No caso específico sobre a terceirização na saúde, o tribunal responsabilizou o ex-prefeito Ari Valdecir Artuzi, morto de câncer em 2013, a Associação Beneficente Douradense e os ex-secretários de Saúde Edvaldo de Melo Moreira e Mário Eduardo Rocha Silva, além do ex-secretário-adjunto Dilson Deguti Vieira.
“Inicialmente, a Unidade Técnica entendeu que o débito estaria relacionado apenas aos valores correspondentes aos termos aditivos, com aplicação dos percentuais de 80,83% e 83,80%, correspondentes à receita de recursos federais”, diz o relator do processo no TCU, ministro Raimundo Carreiro.
O Ministério Público de Contas, no entanto, divergiu do posicionamento dos auditores em relação ao valor do débito: “Se há duplicidade de objetos, essa ocorreu quanto à totalidade dos valores pactuados nos dois convênios, de modo que não é razoável se admitir que apenas a parcela aditivada custeou pagamentos pelos mesmos serviços nos três instrumentos firmados”.
“Esse valor resultou da aplicação dos percentuais de 80,83% e 83,80%, correspondentes à parcela das receitas federais que compuseram o Fundo Municipal de Saúde em 2009 e 2010 sobre o valor dos aditivos nos convênios, cuja diferença era desviada dos cofres públicos”, destaca Carreiro.
Defesas no processo
Espólio de Ari Artuzi, Marinete Alves Bezerra Artuzi alegou que não há provas específicas do suposto pagamento em duplicidade e que não foram observados os patamares previstos na Tabela SUS, fato que seria reconhecido pelo próprio TCU.
Afirmou não haver comprovação do uso de recursos federais, ficando demonstrada a incompetência de atuação do TCU. Disse que Artuzi não cometeu qualquer irregularidade ou ilegalidade, praticando atos de boa-fé, com contas questionadas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.
Já a Associação Beneficente Douradense disse que o Acórdão 1438/2016 declarou irregular e ilegal os procedimentos administrativos feitos nas prestações de contas da entidade, referentes ao termo de convênio 96 e 97/2010 e do contrato 10/2010.
O ex-secretário de saúde Edvaldo de Melo Moreira, no entendimento do TCU, restringiu-se a narrar circunstâncias adversas na prestação dos serviços e a informar que o contrato foi acompanhado pelo Conselho Municipal de Saúde e pelo Ministério Público. Também citou parecer favorável da Procuradoria Geral do Município para assinatura do contrato.
Mário Eduardo Rocha Silva e Dilson Deguti Vieira foram condenados à revelia. De acordo com o tribunal, não houve elementos no processo que pudessem demonstrar boa-fé dos acusados, o que levou o relator a considerar irregulares as contas dos réus. Ambos foram responsabilizados solidariamente ao pagamento do valor desviado, além de multa.
Multas pesadas
Para o procurador do Ministério Público de Contas, Sergio Ricardo Costa Caribé, as alegações de defesa não foram suficientes para desconstituir a irregularidade. “Não foram apresentados argumentos ou documentos que pudessem afastar a constatação de que a Associação recebeu duas vezes pela prestação do mesmo serviço”, destacou Caribé.
O valor original dos desvios atingiu R$ 5.994.460,00. Corrigidos até junho de 2020, totaliza R$ 25.233.369,92, cuja devolução poderá ser feita em até 36 parcelas. Foram condenados solidariamente ao pagamento do dinheiro desviado o espólio do ex-prefeito, os ex-secretários e o ex-secretário-adjunto.
Em relação às multas, a Associação Beneficente Douradense pagará o maior valor, de R$ 450.000,00; o ex-secretário Mário Eduardo Rocha Silva, R$ 210.000,00; o ex-secretário Edvaldo de Melo Moreira, R$ 195.000,00; e o ex-secretário-adjunto Dilson Deguti Vieira foi multado em R$ 95.000,00. O espólio de Artuzi não foi penalizado com multa.
O TCU encaminhou cópia da decisão à Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul para medidas que julgar necessárias, com base no artigo 16, § 3º, da Lei nº 8.443, de 1992.