Por Antonio Carlos Teixeira (*)
Remédio pior que a doença. Essa frase nunca caiu tão bem a uma administração no futebol como a de Andrés Rueda no Santos. O cartola assumiu o clube em janeiro deste ano. Céu de brigadeiro. Time com um pé na final da Libertadores, lutando por vaga na Libertadores de 2021 no Campeonato Brasileiro, o que se confirmou, e bem arrumado taticamente por Cuca. Elenco pronto para conquistar o tetra do futebol no continente. Santos tinha atropelado o poderoso Boca Juniors na semifinal, enquanto o rival Palmeiras precisou da ajuda da arbitragem para eliminar o River Plate, em casa.
A ideia de caos que Rueda pregou durante a campanha não era nem de longe realidade. Tão falso quanto esses 11 meses de administração. O presidente anterior, afastado sem qualquer crime ou indício de irregularidade, deixou R$ 10 milhões em caixa para pagar a folha de setembro e parte dos acordos feitos com o elenco durante a pandemia. José Carlos Peres foi destituído em 28 de setembro de 2020.
O caos chegou mesmo com Orlando Rollo, afilhado político de Rueda. Recebeu a presidência em um acordo dentro do chamado “chapão”, formado para vencer as eleições no clube. A Rollo foi prometida a presidência por ao menos três meses. Mas como se José Carlos Peres era presidente?
Para isso, cristalizaram a ideia de impeachment. Nova dúvida: mas acusá-lo do quê? Até o pagamento de comissões por compra e venda de atletas foi o menor da história sob Peres. A comissão sobre a venda de Lucas Veríssimo, por exemplo, foi a maior já paga pelo Santos. Sob Andrés Rueda, frise-se. Os canalhas se uniram e derrubaram presidente que acabara de sair de cinco meses de paralisação do futebol no país, em decorrência da pandemia.
Logo, o dinheiro que era para estar entrando no clube, ficou represado por patrocinadores, Globo, Turner, CBF, FPF e Conmebol — 70% das receitas ordinárias. Presidente que montou três bons times em 2018, 2019 e 2020. O de 2019, muito provavelmente, está entre os melhores da última década. Presidente que deixou o maior ativo da história do clube. Dos 32 jogadores do elenco de 2020, apenas Luan Peres não era do Santos. Até Soteldo seria do clube por miseráveis US$ 3,5 milhões, a julgar pela qualidade do atacante, com preço de mercado superior a US$ 10 milhões. Garotos da base, todos com contratos, representavam cerca de 60% do elenco.
Rollo, em três meses, cometeu irregularidade atrás da outra. Deixou rabo imenso para trás, sem qualquer apuração do clube. Ele é, repita-se, protegido de Andrés Rueda e, principalmente, da Comissão Fiscal e CIS. Sob Rollo, Cuca chegou a estudar pedido de demissão. CT Rei Pelé, Vila Belmiro e hotéis, onde o clube se hospedava fora de casa, foram tomados por torcedores “amigos do presidente”. Eles se identificavam dessa forma. Junto a isso, veio sequência alarmante de casos de Covid-19 dentro do elenco. Nesse meio tempo, o clube foi eliminado na Copa do Brasil pelo Ceará.
Feitas considerações necessárias para compreensão dos fatos, retorno a janeiro. Ao assumir, Rueda teve apenas o trabalho de fazer o papel de Tio Patinhas, de contar dinheiro que entrava todo dia, referente a premiações atrasadas e cotas de TV, por exemplo. Céu de brigadeiro, como afirmado anteriormente. Em dois meses, foram cerca de R$ 100 milhões da gestão José Carlos Peres, dinheiro que levou a gestão Rueda a obter superávit de R$ 70 milhões no primeiro trimestre de 2021. Explico: receitas ordinárias de 2020 (leia-se José Carlos Peres) contabilizadas como extraordinárias de 2021 (leia-se Andrés Rueda).
“Walter Schalka avalizou balanço falso que esconde rombo na gestão de Rueda em 2021, o pior ano na história do Santos”
E aí começa o enredo escrito pelo atual Comitê de Gestão do Santos, onde há integrantes conhecidos, como Walter Schalka, presidente da Suzano, maior produtora de eucalipto do mundo (matéria-prima do papel), e sócio da Teisa, grupo que executou judicialmente o Santos em 2019. Rueda divulgou balanço de janeiro a novembro. Fraude do início ao fim. E Schalka se prestou a isso. Avalizou balanço que esconde rombo no clube em 2021. Ajudou a levar inverdades aos sócios e torcedores. Esconderam empréstimos contraídos nesse período, maquiaram números, aniquilaram elenco competitivo e, mesmo assim, aumentaram os gastos com o futebol, o pior ano desportivamente nos 109 anos de glórias do clube de Pelé.
Para completar a farsa, faltava o ator principal para levar os fatos a sócios e torcedores: a mídia. O que há sobrando no Santos é setorista mau profissional, encruado no clube como parasita, gravitando em torno do atual presidente. Rueda despejou números, os quais foram engolidos em grandes nacos, como jacaré se alimentando. No Conselho Deliberativo, figuras alçadas ao posto por apadrinhamento, nunca por competência. Tanto que alguns saíram na internet divulgando números fantasiosos, “obra-prima” da gestão Rueda. Misturam as coisas. Conselho Deliberativo é colegiado autônomo e não braço da Diretoria Executiva do clube.
“Sem as receitas de 2020, gestão de Andrés Rueda é a pior da história financeira e administrativamente”
Setoristas e alguns conselheiros se juntaram aos ditos “influencers” para criar imagem de que Rueda não é nem homem. É um mago das finanças. Digo que é “mago das manobras contábeis”. Gestão séria teria separado os valores de 2020 dos de 2021. Isso se chama transparência. Transparência não é “disponibilizar” informações insignificantes, frias, no Portal Transparência.
Se não tivesse havido pandemia e o futebol não ficasse parado por cinco meses, o valor de R$ 100 milhões que sustentou o balanço de Rueda teria entrado em 2020 e não em 2021. O que aconteceu? Peres ficou sem os R$ 100 milhões que deveriam ser contabilizados na sua gestão, ao mesmo tempo em que arcou com as dívidas. Dinheiro fruto do seu trabalho de qualificar o time para conquistar títulos e, em consequência, premiações. Ou seja, a gestão anterior ficou com “prejuízo” de R$ 200 milhões. E, foi com esses números, que Rueda deitou em cima, repita-se, de jornalistas e conselheiros desqualificados.
Ex-conselheiro do clube expôs pelo WhatsApp as lambanças de Andrés Rueda entre janeiro e novembro. Vamos a elas:
. Como alguém paga R$ 120 milhões em dívidas, mas que pegou empréstimo bancário de R$ 28 milhões e outros R$ 17 milhões emprestados ao clube do próprio bolso? E que antecipou receitas no BMG de R$ 26 milhões? Aí fica a pergunta: pagou R$ 120 milhões com comprovante de quitação, ou somente rolou tudo?
Vejam que os valores de empréstimos acima, somados, totalizam R$ 71 milhões. Dívidas contraídas pela gestão Rueda, ainda que tenha vendido quatro dos melhores jogadores do país e “limpado” elenco de grandes salários. À exceção de Marinho e Sánchez, sobraram jogadores com salários médios e pequenos.
“Além de ter vendido quatro dos melhores jogadores do país, Rueda pegou empréstimos e antecipações de receitas de R$ 71 milhões”.
Outro questionamento do mesmo ex-conselheiro:
. Uma empresa que não gera R$160 milhões de receitas ordinárias, que pagou R$ 120 milhões em dívidas, fez futebol de R$ 170 milhões, sendo mais de R$ 116 milhões de custos, gerou R$ 500 milhões de riqueza? Que Copa do Brasil ou Libertadores ganhamos?
Mais: como um clube que vendeu os jogadores mais valiosos, com os maiores salários, pode ter tido folha de pagamento maior em 2021 na comparação com 2020? Houve pedido de explicação? Não. Isso sem falar que o “gestorzão” alardeou pagamento de dívida de Luan Peres. A que dívida ele se refere? O empréstimo foi pago em 2020. Nos dados contábeis do primeiro trimestre de 2021, consta que a atual gestão desembolsou, no cash, perto de 3,5 milhões de euros para comprar o atleta em janeiro. E veja a eficiência de Rueda: pagou R$ 1 milhão em comissão pela venda do zagueiro. Como comparação, sabe quanto Peres pagou em comissão na venda do menino Rodrygo? Nem um centavo.
Conselheiros não se preocuparam com isso. São ventríloquos na mão de um gestor inepto e incompetente, que se sustenta no cargo à custa de marketing e de centena de “torcedores” espalhados na redes, os quais mantêm perfis genéricos no Twitter, Instagram e Facebook. Com sites “‘amigos” da diretoria, alimentam o torcedor de notícias falsas diariamente. Até a grande mídia come nas mãos do atual presidente. Qual é o segredo para que ninguém busque a verdade nos balanços de Rueda, Schalka e cia? A patuleia deles teve espasmos múltiplos em cima de números fantasiosos, às barbas do megatop das galáxias Walter Schalka, aquele mesmo cujo grupo que lidera processou o clube.
“Número de funcionários aumentou 52% entre outubro de 2020 e novembro de 2021”
Houve questionamento por que o clube aumentou o número de funcionários em 2021 na comparação com 2020? Não, não houve. Com Peres, eram 315 funcionários, atingiu 432 com Orlando Rollo e fechou novembro com Rueda em impressionantes 479 pessoas na folha de pagamento do clube. Aumento de 52% entre outubro de 2020 e novembro de 2021.
Some-se a tudo isso, os resultados vergonhosos dentro de campo. Eliminado na fase de grupos da Libertadores, o que não ocorria há mais de três décadas, brigou até o último jogo para não cair para a Série B do Campeonato Paulista, eliminado na Copa do Brasil, eliminado na Sul-Americana e, por último, lutou para escapar do rebaixamento no Campeonato Brasileiro.
Gestão que teve três técnicos em menos de nove meses e que está pagando dois deles. Cuca e sua comissão técnica, inclusive, constam como demitidos nas demonstrações financeiras. Conselheiros não vão questionar mais esse, digamos, “deslize” no balanço do clube? Sem os valores das premiações e cotas da gestão de José Carlos Peres, Rueda teria divulgado o pior resultado financeiro da historia do Santos, depois de ter aniquilado elenco vice-campeão da América a valores vis, especialmente por quatro dos melhores jogadores do país: Pituca, Soteldo, Luan Peres e Lucas Veríssimo.
Mais questionamentos: administração que teve R$ 70 milhões de superávit no primeiro trimestre, como chega ao terceiro trimestre com R$ 11,5 milhões de déficit, precisando de mais R$ 33 milhões para fechar as contas de dezembro? E os gastos maiores que o orçado com time infinitamente inferior, que chega ao terceiro trimestre com déficit e 116% a mais de despesas na comparação com 2020?
Os números do quarto trimestre de 2021 só deverão ser consolidados em março de 2022, tempo suficiente para o torcedor menos informado esquecer que Andrés Rueda e sua turma não só deram ao Santos seu pior ano desportivo, como também financeira e administrativamente.
Em um grupo no WhatsApp com outros integrantes do seu Comitê Gestor e ex-conselheiros, o ex-presidente José Carlos Peres desabafou: “Eu disse que o tempo seria o senhor da razão. Nunca duvidei que a verdade viria à tona. O balanço divulgado mostra um pouco da verdade. Muitas outras vão aparecer”.
(*) Antonio Carlos Teixeira é jornalista; assessor de imprensa da Receita Federal em Campo Grande (MS); especializando-se em Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro; foi repórter e editor do jornal Diário da Serra (Diários Associados); repórter especial do jornal Correio do Estado, o maior diário de MS; assessor de comunicação adjunto da Secretaria da Receita Federal em Brasília; ganhador da Medalha Noé Winkler (servidores da Receita Federal que mais se destacaram no exercício do cargo) em 2007; assessor de imprensa da Comissão de Orçamento do Congresso Nacional em 2010; assessor de imprensa do relator-geral do Orçamento da União em 2018; colunista sobre mídia esportiva do Observatório da imprensa entre 2000 e 2012.
Antônio Carlos, parabéns pela detalhada matéria a respeito da gestão enganosa que vem ocorrendo no Santos FC.
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