POR DANTE FILHO (*)
Recebi em meu whatsApp um vídeo enviado pelo secretário de governo, Antônio Lacerda, com uma entrevista editada do prefeito Marquinhos Trad no programa do apresentador Tatá Marques da última terça-feira.
Aliás, nos últimos tempos tenho recebido um aluvião de propaganda eleitoral de todo e qualquer tipo de candidatos ou pré-candidatos sem saber direito se isso está dentro da legalidade ou não.
O Ministério Público Eleitoral não esclarece estas questões para a população e parece não estar se importando com esse tipo de coisa. Está todo mundo deitando e rolando nessa tal de “pré-campanha”.
Na verdade, não dou a mínima para essas propagandas semi-eleitorais. Elas são chatas, mentirosas e não acrescentam nada para melhorar a vida e o civismo das pessoas.
Mas se Lacerda me enviou o vídeo certamente desejava saber minha opinião e algumas observações sobre a peça de propaganda.
Vou dizer o que penso, serena e desobrigadamente. Espero contribuir.
No caso dessa peça que terminei assistindo mais por enfado do que por interesse digo que não gostei. É politicamente abominável.
Posso dizer que, ao fim e ao cabo, estava perplexo, ou melhor, horrorizado, com o trecho editado no qual Marquinhos responde a uma pergunta do apresentador dizendo que sua candidatura provém de suas mãos limpas e passado irretocável. É pra rir ou chorar?
Fiquei horrorizado com Marquinhos dizendo que sua candidatura provém de suas mãos limpas e passado irretocável
Na verdade, essa foi uma indireta ao ex-governador André Puccinelli e governador Reinaldo Azambuja por causa das suas dificuldades com a justiça, com denúncias de corrupção prisões e risco de prisão.
Estranho muito o fato de que o prefeito fale essas coisas, entrando nessa linha divisiva, sendo que no dia em que André recebeu o alvará de soltura lá estava ele chorando nos ombros do italiano num evento do MDB no clube Nipo.
Mais: recentemente foi dado a saber que Marquinhos ajoelhou-se aos pés do governador Reinaldo Azambuja para lhe pedir recursos e apoio para a sua campanha.
Além disso, Marquinhos lutou heroicamente na eleição de Azambuja, obrigando e ameaçando servidores a adesivarem seus carros e constrangendo funcionários comissionados a difundirem propaganda tucana nas redes sociais.
Por isso, não lhe cabe dar indiretas sobre temas cavilosos. Isso pega mal.
O que mais me chamou a atenção, porém, é o uso que o prefeito tem feito do sujeito oculto.
Ele tem usado muito a expressão “eles dizem” em seus discursos e declarações. “Podem zombar e ironizar que o Marquinhos vive no campo de várzea”, ele diz orgulhoso para mostrar que sente o cheiro do povo e anda sem seguranças (Azambuja anda com seguranças).
Agora, pergunto: “eles dizem” quem, cara pálida? O bispo? A madre superiora? O pastor Dinho? A dona Maria da vila Nhanhá? O Zezinho do mafuá do Tiradentes? O Luizinho do boteco da Santa Luzia? A Claudinha Maravilha (cala-te boca)? Quem são?
Ele joga pra cima e se cair caiu. Total irresponsabilidade pra quem quer ser governador.
Me perdoem, mas esta demagogia e este cinismo político é mais velho do que as pedras das cidades gregas.
Não se trata de ter uma visão elitista sobre a forma de comunicação com as massas.
Esta demagogia e este cinismo político é mais velho do que as pedras das cidades gregas
Dentro destes parâmetros, a proximidade de candidatos com pessoas do povo mais humilde é muito importante porque demonstra a tentativa de criar um vínculo possível para a superação das desigualdades e iniquidades sociais.
Políticos e candidatos conviverem com estratos sociais de renda média e baixa indicam talvez uma chance real de as pessoas mais pobres terem a esperança de imaginar um dia que as coisas possam mudar neste país. Sou um otimista.
Mas a maneira que Marquinhos faz – parecido com o estilo Lula e Bolsonaro misturados, embolado com o programa do Ratinho, Datena etc – é regressivo e prejudica quaisquer tentativa de fortalecimento da democracia. Se ele sabe que o centro da política é o ser humano, então que tal respeitá-lo com clareza e informação e não com demagogia barata.
Marquinhos parece gostar daquele povo cativo, avesso ao pensamento crítico, sempre comendo na sua mão. Isso é quase nojento.
Nada contra ter empatia com pessoas carentes. Louvo o ex-prefeito nesse aspecto, mas observo aí um oportunismo sórdido que se aproveita maldosamente da baixa escolaridade de pessoas humildes e carentes para ter votos, de preferência por gerações inteiras.
O problema se agrava quando isso é feito na perspectiva populista de, simplesmente, iludir pessoas a partir da velha tradição coronelista do cinismo das elites para com a ignorância daqueles que acreditam na mística do poder de uma sociedade sem classes e sem diferenças, quando sabemos que todas essas relações são permeadas pela enganação.
Marquinhos alimenta ideia salvacionista para ludibriar pessoas ingênuas
Marquinhos alimenta essa ideia salvacionista e faz dela o seu modus operandi para ludibriar pessoas ingênuas que não sabem como funcionam as estruturas de poder no Brasil.
A ação de Marquinhos não é esclarecedora, muito menos libertadora, de uma ideologia tosca que aposta na escuridão. Ele pratica um assistencialismo enganador que o leva, perigosamente, para beira do abismo do chamado mau-caratismo crônico da velha política.
E o palhaço chamado Tatá Marques faz as vezes do intermediário dessa picaretagem que se chama Programa de TV popular. É assim que Bolsonaro ganhou as massas e hoje faz de uma parte delas um exército de fanáticos.
Lembro-me que outro dia, numa live produzida pela própria prefeitura, Marquinhos utilizando desde então o jargão “eles dizem” quando que cometeu um ato falho, mas que foi ao ar sem que os editores filtrassem a declaração.
Ex-prefeito cometeu ato falho ao afirmar “dizem que Marquinhos é um namorador”
Ele disse: “dizem que Marquinhos é um namorador”, referindo-se a si mesmo na terceira pessoa. Ora, um homem que diz propugnar pelos valores morais da família entregar-se dessa maneira às veleidades da vida só pode estar vivendo numa esfera disfuncional da própria existência.
Ele ao mesmo tempo que mostrou-se vitimado pelo sujeito oculto humilhou a esposa publicamente, com direito a passagem só de ida para a Cornualha. Feio isso.
Espero que Marquinhos não vá longe com esse populismo de fofocas. Eles dizem que quem faz isso é porque não tem propostas de governo. Eles também dizem que esse modelo de se dizer “povão” é falso porque, fechada a porta do gabinete, coisas estranhas acontecem.
O ex-prefeito não deve ser tão idiota assim. Ele pertence a uma família tradicional, tem uma bela casa num condomínio fechado, num ambiente luxuosamente decorado, com certa breguice classe média, portanto, não tem nada a ver com as pessoas que ele cativa fingindo que é pobre para ter seu voto.
Será que não dá pra ser mais verdadeiro e autêntico, Marquinhos?
Abraços, Lacerda.
(*) Dante Filho é jornalista e escritor. Atua há 38 anos na imprensa sul-mato-grossense. Foi assessor de imprensa do então prefeito Marquinhos Trad. Artigo publicado originalmente na página do autor.