CAMPO GRANDE
Após tentativa do deputado federal Fábio Trad (PSD), agora foi a vez da candidata a deputada estadual Raquelle Lisboa Alves Souza (PL) entrar com ação na Justiça Eleitoral pedindo censura ao MS em Brasília.
No entanto, em decisão semelhante à proferida contra o irmão de Marquinhos Trad (PSD), candidato ao governo (ver aqui), o juiz José Eduardo Chemin Cury, do Tribunal Regional Eleitoral em Mato Grosso do Sul (TRE-MS), negou nesta quinta-feira (29) liminar para tirar do ar matéria jornalística do site.
O MS em Brasília denunciou, nos últimos dias, Raquelle Trutis e seu marido, o deputado federal Loester Trutis (PL), pelo uso de entidade fictícia e serviços sociais fakes a mães de crianças excepcionais (ver aqui). O casal tem utilizado a suposta assistência social em sites fakes e nas suas redes sociais para a promoção de ambos.
A reportagem inicial trouxe a revelação da entidade fantasma, que chegou a ser inaugurada com pompa em 24 de agosto de 2020. Famílias de filhos com vários tipos de doença participaram do evento a convite de Raquelle. Antes de “criar” o instituto fake, o casal cooptou mães com oferta de minicestas básicas, bombons e cremes hidratantes, por exemplo.
Antes de “criar” o instituto fake, o casal cooptou mães com oferta de minicestas básicas, bombons e cremes hidratantes
Em outra reportagem, publicada em 24 de setembro, o site trouxe relatos de seis mães de crianças especiais, como o fato de Raquelle ter se aproximado das famílias para tirar fotos e gravar vídeos. O material começou a ser utilizado na campanha dela e na do marido, Loester Trutis, candidato à reeleição como deputado federal (ver aqui).
Lisura jornalística
Ao pedir a retirada do conteúdo jornalístico do ar, cujas fontes foram mães de filhos especiais, Raquelle alegou que “alguns personagens da política local são selecionados para serem constantes alvos de matérias sensacionalistas, que longe estão de representar trabalho investigativo e independente, mas adentram na seara das imputações caluniosas e inverídicas, com a pretensão única desabonar a figura pública daqueles que são retratados nas publicações”.
Afirmou ainda que, “mesmo sendo estreante nas disputas eleitorais, fora mencionada em nada menos que 27 matérias entre os anos de 2020 e 2022, fazendo-se a ela referências que transbordam a mera crítica e o direito de informação, veja-se, por exemplo, a matéria publicada em 21 de junho de 2021 que possui chamada de grande onde a denomina como amante de seu atual marido”.
Durante o pedido, a candidata a deputada estadual cita várias matérias publicadas pelo MS em Brasília, as quais desmontaram informações falsas de Loester Trutis e sobre sua relação com Raquelle Alves Lisboa.
Trutis, no entanto, nunca acionou o site judicialmente, até porque o material divulgado sempre foi apurado com profissionalismo, lisura e sustentado por amplo conjunto de provas. Daí, o fato de o deputado e da ex-assessora e atual esposa não terem tentado desmentir as matérias.
Ao mencionar as reportagens com denúncias contra o casal, Raquelle não apresentou nenhuma prova que pudesse levar o relator do processo a decidir pela censura ao MS em Brasília.
Raquelle não apresentou nenhuma prova que pudesse levar o relator do processo a decidir pela censura ao MS em Brasília
A mulher não explicou por que usou entidade sem CNPJ e sem registro no Cadastro Nacional das Entidades de Assistência Social. Entidade que não possui sequer sede e que nunca prestou atendimento, conforme provas colhidas pelo site com as mães.
A defesa da candidata se limitou a lançar no pedido argumentos de natureza jurídica, sem provas, ou motivos que pudessem levar a Justiça Eleitoral a determinar censura a um veículo de notícias sério, imparcial e livre. Fatos inapeláveis, publicados ao longo de três anos, contra os quais, repita-se, o casal Loester Trutis e Raquelle Lisboa não se manifestou.
Sem provas
Ao negar o pedido de Raquelle, o juiz entendeu “que a questão não fere o campo da propaganda eleitoral, porquanto é evidente tratar-se de conteúdo jornalístico, o que decorre tanto do texto divulgado, quanto da inexistência de prova em sentido contrário”.
O juiz juiz José Eduardo Chemin Cury ressalta que “a liberdade de expressão consistente na livre divulgação de ideias e opiniões, possui previsão constitucional e não pode ser objeto de censura prévia pelo Poder Judiciário”.
Afirma que, segundo a doutrina, “a inverdade sabida nada mais é que a inverdade evidente, isto é, aquela cuja constatação independa de maiores exames ou avaliações”.
“A inverdade sabida nada mais é que a inverdade evidente, isto é, aquela cuja constatação independa de maiores exames ou avaliações” — Juiz José Eduardo Chemin Cury
Destaca que, “entendem-se por sabidamente inverídicos somente os “flagrantes expedientes de desinformação”, levados a cabo “com o propósito inequívoco de induzir o eleitorado a erro”.
“Deve-se destacar que é expresso o direito constitucional de livre manifestação de expressão do pensamento e da liberdade de imprensa, não podendo a lei conter dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística”, pontua Chemin Cury.
Segundo o magistrado, a atividade jornalística deve, com efeito, ater-se a limites éticos e legais, podendo ser expedida de maneira crítica, áspera ou contundente, mas desde que não fira direito subjetivo de outras pessoas, sejam físicas ou jurídica.
Chemin Cury argumenta que não houve contestação da veracidade dos fatos mencionados na notícia e que o vídeo em questão foi gravado e divulgado pela própria representante. “Dessa forma, trata-se de conteúdo que não é, prima facie, inverídico ou descontextualizado”, concluiu o magistrado ao negar o pedido da candidata.