CAMPO GRANDE
A advogada brasiliense Raquelle Lisboa Alves, ex-candidata a deputada estadual pelo PL, foi nomeada na última sexta-feira (5) pelo secretário de Governo, Pedro Caravina. Raquelle é esposa do ex-deputado federal Loester Trutis (PL), que responde a processo por supostamente ter forjado o próprio atentado, em fevereiro de 2020.
Por ironia, a mulher irá trabalhar na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, com salários próximos de R$ 9 mil, segundo portaria publicada no Diário Oficial do Estado. Durante as eleições de 2022, a então candidata a deputada estadual foi acusada de usar politicamente mães de crianças com deficiência física e intelectual (ver aqui).
Em 2020, Trutis e Raquelle anunciaram a criação de um centro de apoio a essas mães, com assistência jurídica, apoio de profissionais da área de saúde, como psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas. Na época, segundo a denúncia, houve até solenidade no então escritório político de Trutis em Campo Grande.
Dois anos depois, nas eleições de 2022, no entanto, Raquelle gravou vídeo sobre o CTAFE (Centro de Triagem para Acolhimento de Famílias Especiais) em que destacava o trabalho supostamente realizado pelas famílias. Revoltadas, diversas mães encaminharam denúncia ao MS em Brasília afirmando que Trutis e a esposa Raquelle estariam usando as famílias para obter vantagens eleitorais.
Durante as eleições de 2022, a então candidata a deputada estadual foi acusada de usar politicamente mães de crianças com deficiência física e intelectual
Com material suficiente — gravado, ou mesmo capturas de tela das conversas com diversas mães — o MS em Brasília publicou ampla reportagem (ver parte das denúncias em áudios abaixo, publicados originalmente em setembro de 2022). O site demonstrou, com base em pesquisas em diversos bancos de dados, que a entidade não existia nem física nem formalmente. Nunca chegou a funcionar.
As mulheres relataram que, além de não serem mais atendidas pelo casal, algumas foram bloqueadas em aplicativo de conversas e destratadas por Trutis, irritado com as cobranças das mães.
OUÇA ÁUDIO ABAIXO. As vozes foram distorcidas digitalmente para evitar que mães fossem identificadas:
Raquelle tentou censurar a reportagem do site, pedindo que o Tribunal Regional Eleitoral tirasse a matéria do ar, o que foi negado pelo juiz José Eduardo Chemin Cury, em decisão proferida em 29 de setembro de 2022 (ver aqui). “A questão não fere o campo da propaganda eleitoral, porquanto é evidente tratar-se de conteúdo jornalístico, o que decorre tanto do texto divulgado, quanto da inexistência de prova em sentido contrário”, apontou o magistrado, à época.
Ressaltou ainda que “a liberdade de expressão consiste na livre divulgação de ideias e opiniões, possui previsão constitucional e não pode ser objeto de censura prévia pelo Poder Judiciário”. Por fim, afirmou que, segundo doutrina, “a inverdade sabida nada mais é que a inverdade evidente, isto é, aquela cuja constatação independa de maiores exames ou avaliações”.
Ao julgar o mérito (ver aqui), negando a censura, José Eduardo Chemin Cury escreveu: “É fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos. Por isso mesmo, aí deve reinar a transparência e a máxima amplitude do direito de informação”.
“É fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos” — Juiz José Eduardo Chemin Cury
Mais “rolos”
Trutis e Raquelle foram notícias por mais de dois anos, entre 2020, quando a relação passou a ser pública, e 2022. O envolvimento com a então assessora causou a separação de Trutis com a médica veterinária Reni Melo, com quem o ex-deputado teve três filhos. Em setembro de 2019, Trutis viajou em “missão oficial” para a Itália, quando teve a companhia de Raquelle, segundo provas obtidas pelo MS em Brasília.
Já morando em Campo Grande, Raquelle passou a acompanhar Loester Trutis em viagens ao interior. Em uma delas, apresentou-se à Prefeitura de Ponta Porã como “coordenadora de projetos do governo federal” (ver aqui), situação negada pelo Ministério da Economia à época, pasta responsável pela gestão de pessoas no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). A notícia foi corrigida somente depois de a denúncia ter sido publicada pelo MS em Brasília.
Já o ex-deputado federal Loester Trutis deixou o cargo em janeiro deste ano, após ser derrotado nas urnas em 2022. Retornou a Mato Grosso do Sul com a bagagem cheia de processos. Dois deles podem gerar a inelegibilidade do político por oito anos: o do falso atentado, cujo processo tramita no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, e sobre posse irregular de armas e munições (ver aqui, aqui e aqui).
Trutis responde ainda ação na 16ª Vara Cível de Campo Grande, proposta pelo delegado de Polícia Federal Glauber Fonseca de Carvalho Araújo, responsável pelas investigações sobre o suposto atentado. O policial foi xingado de “safado”, “vagabundo” e “corrupto” por Trutis (ver aqui e aqui).
Sem mandato desde fevereiro deste ano, Trutis retornou a Mato Grosso do Sul com a bagagem cheia de processos
Durante seu mandato, esteve envolvido em diversas irregularidades, como utilizar recursos públicos da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), da Câmara dos Deputados, para pagar aluguel de casa de luxo, no Bairro Vilas Boas, em Campo Grande, onde morou com a ex-mulher e os filhos (ver aqui). Caso de extrema gravidade sobre uso irregular de dinheiro público, ignorado pelo Ministério Público Federal.
Outro lado
Procurada para comentar a nomeação de Raquelle Lisboa Alves, a Secretaria de Governo de Mato Grosso do Sul não respondeu até o fechamento desta reportagem. O espaço está aberto para manifestação do governo.