POR ALEXSANDRO NOGUEIRA (*)
O colega do lado me denunciou assim que abri o pacote de bolacha recheada na sala de aula. Inveja do meu lanche. Olhos atentos, a professora ergueu a cabeça e caminhou devagar até minha direção. A classe ficou quieta e eu supliquei a todos os santos que aparecesse uma formiguinha para distraí-la. Não teve jeito. Fui levado para o castigo no fundo sala. Ali, permaneci em pé, com o rosto colado na parede e os braços cruzados nas costas.
Por sorte ou compaixão da professora, minha penitência não teve uns bons puxões de orelha. Fui relegado a um canto, onde passei a contar os minutos para o recreio, até que a megera cortou meu barato anunciando que o castigo não tinha intervalo, nem descanso.
Enquanto permanecia na sala deserta, a turma se dispersava lá fora. Cada um para o seu lado, sem atinar para o meu sofrimento. Por uma fresta da janela entreaberta, sondava a vida no pátio: brincadeiras de corrida, lanche, futebol. Trancafiado, tentava conter minha tristeza imaginando que aquilo passaria depressa demais.
Foi nessa hora que minha barriga começou a arder e um odor estranho impregnou a sala e veio ficar perto de mim. Em seguida, percebi que estava todo borrado. Na classe vazia, cheia de carteiras amontoadas, o mau cheiro conspirava contra mim. Mas decidi ficar ali quietinho, espremendo as pernas, mordendo a gola da camisa até o intervalo acabar.
Foi nessa hora que minha barriga começou a arder e um odor estranho impregnou a sala e veio ficar perto de mim
Fedido e suando frio, me sentia em processo de decomposição intestinal. Com um boné enterrado na cabeça, mirava a porta esperando a professora entrar. Ela devia estar nos corredores ou matraqueando em algum canto. Até que os passos ligeiros e aflitos dos colegas denunciavam que ela estava à porta.
A professora entrou calada e percebeu algo podre no ar. Quis saber o que aconteceu. Os colegas se entreolharam e dentro de um clima de deduragem, apontaram pra mim. Ela não tinha a menor dúvida de que eu e o autor da porcaria habitávamos o mesmo corpo.
Pedi um tempinho para explicar o acontecido, mas ela explodiu! Me chamou de guri porcalhão, nojento e gritava que não me queria mais ali. Sai do ‘chiqueiro’ direto para o ambulatório. Ali tomei uma mistura de polvilho doce e limão diluído em água gelada que foi aliviando minha barriga.
Enquanto ingeria a medicação caseira, a coordenadora avisou meus pais. Mais um pouco e mamãe chegou esbaforida com uma muda de roupa dentro de uma sacola. Fui direto para o banheiro me limpar. Estava a salvo, pensava, despindo aquele uniforme gasto, sujo e fétido.
Enquanto ingeria a medicação caseira, a coordenadora avisou meus pais. Mais um pouco e mamãe chegou esbaforida com uma muda de roupa dentro de uma sacola
Antes de ir embora, passei na sala e apanhei meu material. Meus colegas espevitados zoavam da minha cara me chamando de cagão. Escondido da professora e por entre os cadernos, revidei levantando o dedo médio. E minha vingança não parou ali. Antes de sair da sala, não contive o entusiasmo e deixei novamente um ‘presentinho’ em forma de gases: um cheiro podre no ar que se prolongava à medida que eu caminhava por entre as carteiras. Foi um horror!
Livre das mãos da professora, fui pra casa feliz e sem culpa. Já me sentia restabelecido e aliviado. Mamãe tentava matraquear sobre o episódio, mas eu permanecia resguardado. Com duas ou três quadras de caminhada, chegamos em casa. Tinha um pacote de bolacha à minha espera e um restinho de tarde pra vadiar.
(*) É jornalista em Campo Grande