CAMPO GRANDE
Como a morte de uma jovem, vítima de uma fake news criada por páginas de fofoca, está ligada a uma indústria multimilionária que sustenta alguns dos maiores influenciadores do país.
Fátima Pissarra é a CEO da Mynd, a maior agência de marketing de influência do país – que Fátima construiu ao lado da cantora Preta Gil e do publicitário Carlos Scappini. Não é possível entender a internet brasileira sem conhecer a Mynd.
A Mynd agencia mais de 400 influenciadores. Estão em seu catálogo nomes como Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Cleo, Bela Gil, Pequena Lo, Deolane Bezerra, Esse Menino, Bruna Louise, Lexa, Yuri Marçal, Gil do Vigor. Juntos, o elenco de influenciadores da Mynd conta com mais de 1 bilhão de seguidores – ou seja: é uma mina de ouro. Os clientes da Mynd incluem os maiores anunciantes do país, marcas de peso como Magazine Luiza, Americanas, Ambev, TV Globo, Amazon e C&A.
A Mynd faturou mais de R$ 500 milhões em 2022. E a previsão é chegar a R$ 1,5 bi em 2025. Essa é a empresa mais relevante da história do marketing digital brasileiro. E publicidade é só uma linha de receita: a Mynd também faz dinheiro através de um braço do grupo chamado House of Brands, focado em promover produtos (como perfumes, cremes hidratantes e maquiagens).
A Mynd faturou mais de R$ 500 milhões em 2022. E a previsão é chegar a R$ 1,5 bi em 2025
Além das celebridades, a Mynd também promove páginas de fofoca, como: Fuxiquei, Fofoquei, Gina Indelicada, Diferentona, Otariano e Alfinetei. Elas fazem parte da Banca Digital, projeto da Mynd que reúne mais de 30 perfis de fofoca e centenas de milhões de seguidores.
Entre os agenciados pela Mynd está a página “Garoto do Blog”. Há poucos dias, este perfil publicou um print falso com um diálogo de Whindersson Nunes com uma jovem chamada Jessica Vitória Canedo. Jessica tinha depressão e se suicidou após o episódio.
A Choquei – que ajudou a impulsar o conteúdo falso – já foi agenciada pela Mynd, mas não aparece mais em seu catálogo. A Mynd está umbilicalmente ligada ao sucesso desses perfis.
O pulo do gato da Mynd é a distribuição do conteúdo produzido por seus influenciadores em forma de pirâmide. O sucesso do casting permite que a agência promova as mesmas campanhas em diferentes lugares; um processo que retroalimenta a sua relevância, capaz de viralizar marcas, assuntos e influenciadores.
Quando os agenciados da Mynd publicam a mesma ação ao mesmo tempo, passam a impressão de que toda a internet está falando sobre a mesma coisa. Os seguidores entram com o engajamento; o restante fica com o algoritmo que, inundado de postagens sobre o mesmo assunto, dissemina ainda mais postagens sobre o conteúdo para fora da bolha. Ou seja: é viral, mas artificial.
Quando os agenciados da Mynd publicam a mesma ação ao mesmo tempo, passam a impressão de que toda a internet está falando sobre a mesma coisa
Por exemplo: a edição de 2021 da Farofa da Gkay reuniu influenciadores que, juntos, somavam mais de 334 milhões de seguidores. Boa parte deles eram da Mynd, como a própria Gkay. Esse batalhão de perfis foi capaz de impactar mais de 66 milhões de pessoas com posts sobre a festa.
A edição de 2022 da Farofa – em um resort 5 estrelas, em Fortaleza – foi transmitida pelo Multishow. O custo do evento passou dos R$ 8 milhões, pagos por anunciantes de peso como Avon, Listerine, XP, Latam e Vivara.
Com a máquina da maior agência de marketing de influência do país à disposição, o barulho é inevitável. No total, a cobertura de Multishow, Gshow e Globoplay resultou em 1.700 posts sobre a Farofa, que trouxeram mais de 400 milhões de visualizações para as marcas envolvidas.
Por outro lado, os perfis de fofoca da Banca Digital tiveram mais de 300 milhões de impressões na cobertura da Farofa, impulsionando e retroalimentando a importância do evento.
O mesmo processo acontece em festivais de música. Na última edição do Rock in Rio foram conectados pelo menos 100 agenciados da Mynd, de diferentes nichos e perfis, a 19 grandes marcas – da Coca-Cola ao Itaú. 11 músicos da agência se apresentaram no festival.
É um círculo de impulsionamento. Em 2021, a Globo contratou o perfil Gina Indelicada, da Banca Digital, pra falar bem da novela “Um Lugar ao Sol”. https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/novelas/em-crise-globo-paga-perfil-de-fofoca-para-falar-bem-de-um-lugar-ao-sol-73497… Dias depois, o criador do perfil recebeu uma matéria elogiosa do Fantástico.
A Mynd usa seus perfis de fofoca para impulsionar seus agenciados. O problema é que eles também são acusados de receber dinheiro para prejudicar personalidades públicas. Ou seja, em tese, são pagos para promover uma espiral de cancelamento.
Sabe aquele comediante que publicou um tweet com uma piada sobre uma artista, e de repente começou a ser xingado por perfis de fofoca e a perder campanhas publicitárias? Tem toda uma indústria multimilionária por trás desses ataques.
A Mynd nega que haja coordenação entre as páginas. Mas há controvérsias. Em 2021, a Aos Fatos analisou os posts de 24 perfis agenciados pela Mynd, no intervalo de uma semana, e constatou que quase a metade desse conteúdo apareceu em mais de um perfil.
A Mynd usa seus perfis de fofoca para impulsionar seus agenciados. O problema é que eles também são acusados de receber dinheiro para prejudicar personalidades públicas
Entre os assuntos abordados pelo casting da Mynd, claro, estão tópicos políticos. E o impacto não é pequeno. Na última eleição, a cada três posts publicados sobre os presidenciáveis, um foi produzido por perfis ligados ao entretenimento.
Por exemplo: em abril de 2022, a Mynd utilizou seus influenciadores (como Luísa Sonza, Pabllo Vittar e Gil do Vigor) na campanha #EhTudoOnline, estimulando jovens a tirarem o título de eleitor. Foi um sucesso.
Para os críticos, o maior problema da Mynd é a falta de diversidade do seu casting. A ampla maioria dos seus agenciados possuem posicionamentos políticos muito parecidos e trabalham para impulsionar (e criticar) as mesmas ideias e os mesmos candidatos.
A Mynd, claro, não é a única empresa a atuar nesse setor. E o seu ramo de atividade não é ilegal. Pelo contrário: a agência é muito bem-sucedida exatamente por fornecer o que as marcas procuram – relevância nas redes sociais. Por isso mesmo pode se dar ao luxo de faturar centenas de milhões de reais por ano. Mas esse debate pode ser um pouco mais profundo do que isso.
No apagar das luzes, essa indústria tem à disposição uma máquina invejável de interferência no debate público, capaz de viralizar agendas e personagens, ideias e conceitos, muitas vezes artificialmente, dentro e fora do universo político.
Mais do que isso: esse é um canhão de influência com o poder de impulsionar críticas e elogios; de proteger a imagem de marcas e agenciados, e destruir a reputação de pessoas inocentes. Agências como a Mynd podem até abrir mão disso, mas esse poder todo está lá, nas mãos de um punhado de publicitários que você nunca ouviu falar.
Boa parte do que viraliza na internet é gente de mentirinha produzindo polêmica de mentirinha
No fim, mesmo que você não siga nenhum desses perfis, reconhecer o alcance dessas agendas, de forma transparente, pode ajudá-lo a manter uma relação mais saudável com as redes sociais. Boa parte do que viraliza na internet é gente de mentirinha produzindo polêmica de mentirinha, enquanto sustenta, de mentirinha, a imagens de bom moço para vender Avon, Boticário, Ambev e C&A.
Mas no meio dessas mentirinhas todas, altamente lucrativas, tem gente literalmente morrendo. E essa é a grande fofoca que você precisa saber.
(*) Rodrigo da Silva é fundador do canal Spotniks
**O MS em Brasília produziu este artigo com base em diversos tuítes publicados por Rodrigo da Silva no seu perfil na rede social X, ou Twitter, em que detalha o funcionamento da indústria multimilionária dos influenciadores.
***Autorizada a publicação desde que citada a fonte, conforme acima