EDITORIAL
Há falsa ideia de que as engrenagens que movem a economia do país devem parar com a chegada das festas de fim de ano. Mas isso só funciona, na prática, nos órgãos públicos, especialmente, no Judiciário e Legislativo. É quando essas instituições se preparam para até dois meses de descanso, somando-se recessos e férias.
Privilégio que não ocorre no setor privado, onde as férias são meticulosamente aguardadas e cumpridas à risca: são 30 dias e não mais. Um e outro estabelecimento decide dar “férias coletivas” de uma semana, por exemplo, sabendo que deixará de faturar nesse tempo e que os salários dos empregados correm normalmente.
Nesse período, instituições dos poderes Judiciário e Legislativo estão à mosca, ao deus-dará. Não se vê humano. Estão todos de recesso e férias. Ocorre que o país não para. Os meios de comunicação, por exemplo, mantêm-se em atividade 24 horas.
Privilégio que não ocorre no setor privado, onde as férias são meticulosamente aguardadas e cumpridas à risca
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, não há atendimento nem da assessoria de comunicação. Desde 27 de dezembro do ano passado, o MS em Brasília tem enviado pedidos de esclarecimentos sobre o uso da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP). Em vão. Além de mensagens eletrônicas encaminhadas por e-mail, são feitas dezenas de ligações diárias.
Não há um único vivente para ajudar a imprensa a compreender os dados disponíveis no Portal Transparência, cujo entendimento premia à boa informação.
A sociedade tem o direito de tomar conhecimento sobre os gastos dos 24 deputados estaduais. Senado Federal e Câmara dos Deputados, nesse ponto, estão bem adiantados, transparentes e ágeis.
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, não há atendimento nem da assessoria de comunicação
Na ALMS, há diversas dúvidas, como o valor exato da CEAP para cada deputado. Desafiamos qualquer cidadão a localizar essa informação nas últimas normas editadas pela Casa sobre o assunto. Não há.
Ora, o princípio da transparência é conhecer quanto cada deputado tem a disposição para, em seguida, esmiuçar outros detalhes, como o valor médio torrado por vossas excelências.
Onde está a dificuldade de a Assembleia Legislativa manter um único servidor da área de comunicação, de plantão, por um dia, a fim de auxiliar a imprensa em suas dúvidas que, evidentemente, são de toda sociedade?
Sabe-se que há pelo menos 20 servidores na área de comunicação. Se, cada um deles ficasse disponível um único dia, nesse período, seria suficiente para cobrir o recesso dos senhores parlamentares, da Casa como um todo.
O plantão pode ser feito em home office, fora do Estado, numa casa de praia, em qualquer lugar. Endereço de e-mail ou número de WhatsApp basta.
O princípio da transparência é conhecer quanto cada deputado tem a disposição para, em seguida, esmiuçar outros detalhes
Ao presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Gerson Claro (PP), cabe editar medidas para que nos próximos recessos de fim de ano seja mantido ao menos um único servidor por dia para atender à imprensa. Não causará nenhum problema ao numeroso corpo de funcionários da comunicação.
Foram muitas dúvidas nesse período de completa ausência de voz oficial da ALMS.
Por exemplo: é permitido que deputado more em imóvel cujo aluguel é pago com recursos da Casa? O MS em Brasília comprovou o uso de dinheiro público no pagamento de moradias aos deputados estaduais Lia Nogueira, do PSDB, Neno Razuk, do PL, e Gleice Jane, do PT (ver aqui).
E deputado usar a cota para contratar advogado a fim de cuidar de suas demandas pessoais, ou eleitorais (ver aqui), como é o caso de Rafael Tavares (PRTB)? Pode? Em 2023, na sua estreia na política, Tavares torrou R$ 505 mil em dinheiro público, dos quais R$ 382 mil em consultoria.
É permitido que deputado utilize a cota para contratação de advogado a fim de cuidar de suas demandas pessoais, ou eleitorais
Desse montante em assessoria jurídica, R$ 60 mil foram pagos a Oliveira & Nonato Advogados, escritório de Brasília que defende o parlamentar em processo que pede a cassação do seu mandato no Tribunal Superior Eleitoral.
O primeiro pagamento feito a essa bancada de advogados foi denunciado pelo site de notícias Campo Grande News em 15 de março de 2023 (ver aqui). Depois da denúncia, foram realizados outros pagamentos de R$ 40 mil, totalizando R$ 60 mil. O último, de R$ 20 mil, foi feito em 19/05/2023 (ver abaixo).
A Assembleia Legislativa — responsável pela destinação de dinheiro do contribuinte sul-mato-grossense aos deputados — tem a dizer o quê ao cidadão sobre tantas despesas desconexas com sua finalidade? A resposta talvez nunca seja dada. É tratar com desdém a coisa pública.
A Assembleia Legislativa tem o quê a dizer ao cidadão sobre tantas despesas desconexas com sua finalidade?
Mas cabe ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul fazer valer a função jurisdicional para o qual foi criado, como zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública, e abrir investigações em relação aos fatos descritos acima.
Sobre o ponto central deste texto, não há pretensão de acabar com o recesso ou férias de qualquer servidor, muito menos dos nobres parlamentares.
Pede-se apenas que, qualquer órgão público mantido com recursos dos contribuintes, esteja presente nos 248 dias úteis (excluindo sábados, domingos e feriados) de vida humana na terra, como em 2023. Não é pedir muito. É?