LARISSA ARRUDA, DE CAMPO GRANDE
A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul manteve, em janeiro deste ano, o pagamento de aluguéis de imóveis residenciais a três deputados, no total de R$ 14.005. A prática é ilegal, de acordo com as normas internas da Casa.
O uso irregular da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP) com o custeio de moradia aos deputados Gleice Jane Barbosa (PT), Lia Nogueira (PSDB) e Neno Razuk (PL), todos de Dourados, foi denunciado no início do ano pelo MS em Brasília (ver aqui).
Em 2023, segundo apuração do site, os três deputados gastaram, juntos, R$ 124.468,28 em dinheiro público. Somados aos valores utilizados em janeiro de 2024, o montante atinge R$ 138.473,00.
De acordo com o artigo 2º do Ato nº 52, de 01 de outubro de 2019, da Mesa Diretora da Assembleia, a cota extra poderá ser utilizada para custear diversas despesas, entre elas “manutenção de escritórios de apoio à atividade parlamentar”. Não há previsão sobre o uso do dinheiro para aluguel de moradia.
Não há previsão sobre o uso do dinheiro para aluguel de moradia
Desdém da Casa
Por mais de dois meses, o MS em Brasília buscou esclarecimentos da Assembleia Legislativa sobre os gastos ilegais dos deputados, permitidos pela direção da Casa, comandada por Gerson Claro (PP). Foram procuradas a Assessoria de Comunicação e a Ouvidoria.
Do primeiro setor, não houve retorno aos reiterados pedidos. Já a Ouvidoria, acionada pelo site com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), informou em 6 de fevereiro que a demora na resposta se devia ao recesso parlamentar.
Ocorre que, mesmo se passando 27 dias depois da volta dos trabalhos na AL-MS, as respostas não foram encaminhadas pela Ouvidoria.
Além do presidente Gerson Claro, a mesa diretora da Assembleia é formada por Renato Câmara (MDB), 1º vice-presidente; Zé Teixeira (PSDB), 2º vice-presidente; Mara Caseiro (PSDB), 3º vice-presidente; Paulo Corrêa (PSDB), 1º secretário; Pedro Kemp (PT), 2º secretário; e Luiz Carlos Correia de Lima, o Lucas de Lima (PDT), 3º secretário.
Alto padrão
Além dos imóveis residenciais em Campo Grande, as deputadas Gleice Jane e Lia Nogueira utilizam a cota para pagamento de aluguel de escritórios políticos em Dourados.
De acordo com a reportagem, Gleice Jane mora no suntuoso Green Life Residence, na região nobre do Carandá Bosque, próxima ao Parques dos Poderes, apenas a 7 minutos do local de trabalho dela, a Assembleia.
Gleice Jane mora no suntuoso Green Life Residence, na região nobre do Carandá Bosque
Entre maio e dezembro do ano passado, a deputada pagou R$ 44.601,83 — média de R$ 5.575 mensais pelo aluguel, além de R$ 5.788,80 referente a janeiro de 2024.
O tamanho dos apartamentos no residencial Green Life varia de 109 a 134 metros quadrados, com três ou quatro quartos. Já o valor para venda de R$ 1 milhão a R$ 1,7 milhão, segundo consultas feitas pelo site ao mercado de imóvel da Capital.
A reportagem também revelou o luxo do apartamento pago com dinheiro público por Lia Nogueira. Ela mora no charmoso Edifício Salvador Dali, no Jardim dos Estados, um dos bairros mais caros e tradicionais de Campo Grande.
Lia Nogueira mora no charmoso Edifício Salvador Dali, no Jardim dos Estados, um dos bairros mais caros e tradicionais de Campo Grande
Em 2023, a jornalista torrou R$ 46.533,98 da CEAP com aluguéis do imóvel, média de R$ 6.653 mensais. Em janeiro deste ano, pagou R$ 5.280,72. O apartamento onde Lia Nogueira reside tem 132 metros quadrados e está avaliado em R$ 1,4 milhão.
Ilegalidade antiga
O MS em Brasília divulgou também os gastos de Neno Razuk. Em 2023, o parlamentar morou em dois apartamentos, ambos pagos com a cota da Assembleia. Começou o ano na Rua 13 de Junho, região central, onde gastou R$ 24.996,51 entre janeiro e setembro.
De outubro a dezembro, prossegue a reportagem, o deputado douradense apresentou comprovantes de pagamento de outro imóvel, localizado no Bairro Tiradentes, no total de R$ 8.335,96. O valor do aluguel dos dois imóveis, somados, atingem R$ 33.332,47.
O MS em Brasília revelou ainda que o uso da cota da Assembleia para pagamento de aluguel residencial por Razuk ocorre desde março de 2019. No entanto, esclareceu a matéria, os primeiros comprovantes de pagamentos com essa despesa só passaram a ser disponibilizados pela Casa a partir de abril de 2020.
Em janeiro deste ano, conforme o Portal Transparência da Assembleia, Razuk usou R$ 2.937,27.
Logo, de acordo com dados oficiais, o parlamentar usa a CEAP para esse fim de abril de 2020 a janeiro de 2024. Nesse período, foram feitos pagamentos de R$ 107.672,70 em aluguéis de apartamentos residenciais, o que é irregular.
Neno Razuk usa a CEAP para esse fim de abril de 2020 a janeiro de 2024
Sem esclarecimento
Durante mais de dois meses, o MS em Brasília buscou esclarecimentos sobre ilegalidade denunciada. Tanto a Assembleia quanto os deputados Lia Nogueira e Neno Razuk não responderam aos questionamentos.
A deputada Gleice Jane, por sua vez, explicou que o pagamento do aluguel com a CEAP se baseia no Ato 52/2019, o que não procede. “Embora tenhamos esse embasamento de hospedagem, esse apartamento também é um local muito utilizado para fins de trabalho, reunião com a equipe e eventual atendimento”, explicou.
MPE
Sem resposta da Assembleia Legislativa sobre gastos ilegais dos deputados, cabe ao Ministério Público Estadual pedir explicações, usando as prerrogativas constitucionais, livre e independente, de fiscalizar a moralidade no serviço público.
Sem resposta da Assembleia Legislativa, cabe ao Ministério Público Estadual pedir explicações
A falta de esclarecimento da Casa faz aumentar o descrédito do Legislativo perante a sociedade sul-mato-grossense. Entre os princípios constitucionais da administração pública está o da publicidade, que não significa, simplesmente, publicar um ato. É preciso que seja claro e transparente, permitindo ao cidadão fiscalizar sem dificuldade.