POR CLÁUDIO DANTAS (*)
A J&F voltou em grande estilo. Ou melhor, no velho estilo. Depois de ser fisgada pela Lava Jato em um amplo esquema de corrupção e de protagonizar um pitoresco acordo de colaboração premiada que envolveu quase 2 mil políticos, entre eles o ex-presidente Michel Temer, o grupo empresarial comandado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista vem tentando lavar sua reputação pela mesma via judicial e política que a enlameou.
Uma das principais aliadas nessa tentativa de reescrever a história é a caneta de Dias Toffoli, que, em dezembro, suspendeu o pagamento da multa de R$ 10 bilhões que o grupo havia se comprometido a pagar em seu acordo de leniência.
O ministro, cuja mulher presta serviços jurídicos à J&F, não se constrange em despachar no caso, acolhendo a versão de que procuradores e juízes se consorciaram ilegalmente para condenar a empresa.
O ministro, cuja mulher presta serviços jurídicos à J&F, não se constrange em despachar no caso
As provas, embora vastas, agora devem ser consideradas ilegais, mesmo tendo sido entregues pela própria empresa para avalizar os depoimentos contundentes de Joesley, Wesley e seus executivos. Dos R$ 10,3 bilhões acordados com a Justiça, a J&F pagou R$ 2,9 bilhões e ainda conseguiu que o MPF, em uma decisão polêmica e sigilosa, reduzisse o montante total para apenas R$ 3,5 bilhões – decisão que foi revertida pelo Conselho Institucional do MPF e virou outro imbróglio jurídico. Por fim, a companhia quer pagar só mais R$ 24 milhões, um valor simbólico.
Na trilha para recuperar seu prestígio, a dupla Joesley e Wesley também conseguiu, em março, que a J&F ampliasse os assentos de seu Conselho de Administração para acomodar seus ex-gestores, que haviam sido afastados ainda em 2017 em meio à turbulenta delação.
As provas, embora vastas, agora devem ser consideradas ilegais, mesmo tendo sido entregues pela própria empresa para avalizar os depoimentos contundentes de Joesley, Wesley e seus executivos
Joesley e Wesley também ciceronearam Lula, dias atrás, durante visita à fábrica do grupo em Campo Grande (MS), sem qualquer constrangimento em aparecer diante das câmeras de TV. Muito pelo contrário. Ambos celebraram com o presidente da República e o ministro da Agricultura o embarque de um novo lote de carnes para a China, após homologação de novos frigoríficos.
No evento, Lula pregou contra a mentira, a intriga e a maldade, sem mencionar a antiga acusação de Joesley, que disse ter pagado US$ 150 milhões em favor de Lula e Dilma. Dias depois, o MEC também autorizou o Instituto J&F, fundado pelo empresário, a oferecer cursos universitários.
A volta por cima da J&F também inclui uma acalorada disputa judicial sobre a venda da Eldorado Celulose. O negócio de R$ 15 bilhões foi firmado em 2017 com o grupo indonésio Paper Excelence, que pagou R$ 3,8 bilhões por cerca de 49% da empresa à vista, e incorporaria os 51% restantes após liberação das garantias de dívidas contratadas pela Eldorado junto a instituições financeiras.
No evento em Campo Grande, Lula pregou contra a mentira, a intriga e a maldade, sem mencionar a antiga acusação de Joesley, que disse ter pagado US$ 150 milhões em favor de Lula e Dilma
A Paper tinha a obrigação de liberar as garantias, enquanto a J&F tinha a obrigação de cooperar para a liberação. Um ano depois, porém, o negócio foi judicializado após recusa dos Batista de entregarem o controle da companhia – o valor da celulose no mercado havia disparado, assim como o dólar, valorizando a empresa em 70%.
A Paper obteve vitória unânime na Câmara de Arbitragem, que considerou que a J&F agiu de má fé dificultando o negócio, e também obteve decisão favorável no TJ-SP, mas os Batista ainda tentam invalidar a operação com apoio de um time jurídico formado por ex-ministros do STF, do STJ e ex-desembargadores do próprio TJ-SP.
Entre janeiro e maio do ano passado, já no governo Lula, o debate jurídico foi ampliado com diversas ações de terceiros surgindo em diferentes tribunais do país, como Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. OAB, AGU, TCU e até o Incra entraram no game.
A mais nova tese jurídica tenta anular o negócio baseada na Lei de Terras, que condiciona a compra de áreas rurais por grupos estrangeiros à aprovação do Congresso Nacional. A interpretação heterodoxa, claro, ignora centenas de negócios semelhantes envolvendo grupos internacionais nas áreas de mineração e energia.
A Paper obteve vitória unânime na Câmara de Arbitragem, que considerou que a J&F agiu de má fé dificultando o negócio
Eldorado também alega ser proprietária de apenas 5% das terras que utiliza em sua operação, basicamente onde está instalado o complexo industrial da companhia, o terminal portuário e seus escritórios. Os 95% restantes são propriedades de brasileiros, que fornecem o eucalipto para a produção de celulose.
Parece claro que o enorme poder econômico da J&F, maior produtor de proteína animal do planeta graças ao BNDES de Lula, voltou a exercer com desassombro sua influência política.
(*) É jornalista investigativo, apresentador e comentarista político
**Texto publicado, originalmente, no perfil profissional de Cláudio Dantas no Twitter: @claudioedantas. Editado para incluir título e subtítulo