EMANUEL ALMEIDA E LARISSA ARRUDA, DE BRASÍLIA
Em meio a um cabo de guerra entre os poderes Executivo e Legislativo em Brasília (DF), tramita no Senado Federal uma pauta que, em paralelo aos assuntos de primeira urgência do Brasil, acrescenta mais elementos à intrincada relação entre o governo do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e os parlamentares.
Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2023, mais conhecida como “PEC do Quinquênio”, de autoria do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que prevê aumentos de 5% nos vencimentos de desembargadores, juízes, promotores de Justiça e outras carreiras do Judiciário a cada cinco anos.
A medida enfrenta resistência de diversos setores da sociedade e no próprio Parlamento, em especial da bancada governista, que prevê problemas orçamentários caso o texto seja aprovado.
Apenas na Justiça de Mato Grosso do Sul e no Ministério Público do Estado (MPMS), de acordo com cálculo feito pelo MS em Brasília, o impacto do projeto apenas em seu primeiro ano de vigência seria de quase R$ 40 milhões aos cofres públicos. Os dados foram obtidos no Portal Transparência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) e no Portal Transparência do MPMS.
Apenas na Justiça de Mato Grosso do Sul e no Ministério Público do Estado (MPMS) o impacto seria de quase R$ 40 milhões aos cofres públicos apenas no primeiro ano
Para chegar a esse valor milionário, a reportagem fez o cálculo a partir da folha salarial anual dos desembargadores, juízes, promotores de Justiça e demais integrantes do MPMS, levando em consideração o valor individualizado do subsídio deles e suas respectivas datas de ingresso nos cargos.
O MS em Brasília calculou que a parcela mensal de valorização por tempo de exercício seria capaz de gerar um impacto de quase R$ 40 milhões aos cofres públicos estaduais somente em relação aos magistrados e membros do MPMS ativos no primeiro ano de vigência do referido benefício.
Para piorar, a vantagem é estendida aos aposentados e pensionistas, ampliando o montante dispendido para custear a regalia, sendo que a fonte dos dados é regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução nº 102/2009, e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pela Resolução nº 86/2012).
Com base nesses dados, apenas o Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul, caso a PEC do Quinquênio avance no Senado Federal e, depois, na Câmara dos Deputados, provocaria um impacto de R$ 21.671.834,00 no primeiro ano, enquanto no Ministério Público do Estado esse montante seria de R$ 17.859.712,00, totalizando R$ 39.531.547,00.
Para piorar, a vantagem é estendida aos aposentados e pensionistas, ampliando o montante dispendido para custear a regalia
Essa cifra, contudo, não leva em consideração possíveis ampliações dos benefícios já concedidos, bem como os vencimentos de outras categorias do serviço público estadual, como a Procuradoria Geral do Estado (PGE), auditores da Secretaria Estadual de Fazenda (Sefaz) e os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS).
Reflexo federal
Em nível federal, conforme a Agência Senado, a PEC do Quinquênio pode gerar um impacto de até R$ 42 bilhões sobre as despesas remuneratórias de servidores públicos. A conclusão é de uma nota técnica divulgada nesta semana pela Instituição Fiscal Independente (IFI). O documento, assinado pelo analista Alessandro Casalecchi, estima o impacto fiscal da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2023, em tramitação no Senado.
A PEC do Quinquênio foi aprovada em abril pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O texto prevê o pagamento de uma “parcela compensatória mensal de valorização por tempo de exercício”. O benefício equivale a 5% do subsídio a cada cinco anos de efetivo exercício em atividade jurídica. O valor não entraria na conta do teto salarial dos servidores públicos.
Em nível federal, a PEC do Quinquênio pode gerar um impacto de até R$ 42 bilhões sobre as despesas remuneratórias de servidores públicos
Para calcular o impacto fiscal da proposição, o relatório da IFI aponta dois cenários. O primeiro considera o pagamento do quinquênio apenas para membros do Poder Judiciário e do Ministério Público (MP), como previa o texto original da PEC 10/2023.
Neste caso, o acréscimo sobre despesas remuneratórias seria de R$ 5,2 bilhões por ano: R$ 3,1 bilhões para magistrados e R$ 2,1 bilhões para membros do MP. O cálculo leva em conta pagamentos a servidores ativos e aposentados e a pensionistas.
O segundo cenário considera outras 13 carreiras incluídas na PEC 10/2023 por meio de emendas. O relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO) estende o quinquênio a defensores públicos, auditores fiscais do Trabalho, auditores fiscais e técnicos da Receita Federal, fiscais de tributos, policiais civis, federais, rodoviários federais e legislativos, advogados da União, militares estaduais, oficiais de Justiça e membros de Tribunais de Contas. Nesse caso, o impacto chegaria a R$ 42 bilhões anuais.
O relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO) estende o quinquênio a defensores públicos, auditores fiscais do Trabalho, auditores fiscais e técnicos da Receita Federal, fiscais de tributos, policiais civis, federais, rodoviários federais e legislativos, advogados da União, militares estaduais, oficiais de Justiça e membros de Tribunais de Contas
O analista Alessandro Casalecchi alerta que o impacto da PEC 10/2023 sobre as contas públicas pode ser ainda maior. Isso porque, de acordo com o texto, os servidores teriam direito ao benefício por atividades jurídicas realizadas antes mesmo do ingresso no serviço público. Segundo Casalecchi, essas informações não estão disponíveis na base de dados oficiais mantida pela administração pública.
“Outra limitação é a ausência de informação sobre o tempo de carreira jurídica que magistrados, membros do MP ou servidores públicos acumularam antes de ingressarem em seus cargos públicos. A PEC prevê que esse tempo também deve ser contado para fins de cálculo do adicional por tempo de exercício. Diante dessa falta de informação, fez-se a opção metodológica de supor que o tempo de exercício em carreira jurídica, anterior ao ingresso no setor público, é zero para todos os vínculos empregatícios. Em razão dessa escolha, o impacto real da PEC pode ser superior ao aqui estimado”, advertiu.
A nota técnica destaca ainda que o impacto fiscal vai mudar ao longo do tempo, à medida que o servidor progrida na carreira. “É importante mencionar que o impacto fiscal, aqui estimado a partir de dados de 2022, vai mudar com o passar dos anos, conforme os membros e servidores progridem em suas carreiras, levando o quantitativo e a remuneração média das faixas da regra de cálculo (0 a 5 anos, 5 a 10 anos, etc.) a se modificar. De toda forma, o cálculo para um único ano, como o realizado nesta nota, é útil para se aferir, ao menos, a magnitude do impacto, que se mostrou ser de algumas dezenas de bilhões de reais por ano”, explicou.
“É importante mencionar que o impacto fiscal, aqui estimado a partir de dados de 2022, vai mudar com o passar dos anos, conforme os membros e servidores progridem em suas carreiras” — Analista Alessandro Casalecchi
Alessandro Casalecchi analisa ainda o impacto do adicional sobre aposentados e pensionistas. A nota técnica adota a hipótese de que os dois grupos também teriam direito ao adicional. “O resultado para os aposentados e pensionistas é superior ao impacto associado aos ativos, pois, muito embora o quantitativo do primeiro grupo seja a metade do quantitativo de ativos, o adicional médio daquele grupo é 2,3 vezes superior ao adicional médio dos ativos”, destaca.
Tramitação
Para entrar em vigência, uma PEC deve ser votada no Senado e na Câmara dos Deputados em dois turnos e necessita de 49 e 308 votos favoráveis em cada casa, respectivamente, para ser aprovada.
Nesse caso, a medida é inserida no texto constitucional sem a necessidade de sanção presidencial. A oposição não perdeu a oportunidade de tornar a PEC apresentada por Pacheco ainda mais incômoda ao governo federal.
O projeto de lei já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com um substitutivo apresentado pelo relator do texto, o senador Eduardo Gomes (PL-TO).
O projeto de lei já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado
A nova designação da medida acrescenta mais categorias como beneficiárias dos aumentos quinquenais, como membros da Advocacia Pública da União, dos estados e do Distrito Federal, membros da Defensoria Pública, delegados, oficiais da Polícia Militar, ministros e conselheiros de Tribunais de Contas.
Os aumentos de 5% nos salários a cada cinco anos têm limite de 35% de reajuste, ou seja, 35 anos de serviço público. O texto ainda assegura a contagem de tempo anterior à data da publicação da PEC e será válida para aposentados e pensionistas que têm direito a igualdade de rendimentos com os funcionários em atividade.
Senadores de MS
Ao MS em Brasília, o senador sul-mato-grossense Nelsinho Trad (PSD) se disse contrário à medida apresentada pelo colega de partido, senador Rodrigo Pacheco.
“Alterações no texto do relatório precisam de uma análise para esclarecer posicionamento. Chegando a Brasília amanhã, vou debater essa questão com os meus pares”, afirmou o senador.
O MS em Brasília também procurou as senadoras Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (Podemos), mas não teve retorno de nenhuma das duas até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação das parlamentares.