LARISSA ARRUDA, DE BRASÍLIA
Coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o médico Paulo César Corrêa afirmou que o projeto de lei nº 5.008/2023, da senadora Soraya Thronicke (Pode-MS), que regulamenta os cigarros eletrônicos, beneficia somente a indústria tabagista brasileira.
A declaração do pneumologista ocorreu durante debate transmitido no início do mês pela TV Senado, com a participação do especialista e da própria senadora, autora da proposta.
“O projeto da senadora parte de várias premissas falsas. A primeira delas é econômica. Na verdade, o cigarro tradicional causa prejuízos de R$ 153,5 bilhões por ano ao país, enquanto a arrecadação soma R$ 8 bilhões”, argumentou o especialista.
De acordo com a senadora, a regulamentação do cigarro eletrônico é importante para obrigar o poder público a agir. Ao mesmo tempo em que afirma que “fumar é prejudicial à saúde”, a parlamentar utiliza uma série de argumentos e pesquisas encomendadas pela indústria do tabaco para defender a liberação do produto.
“O projeto da senadora parte de várias premissas falsas” — Paulo César Corrêa, pneumologista
Em 19 de abril passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) manteve proibida a comercialização, fabricação e importação, transporte, armazenamento e propaganda do cigarro eletrônico no Brasil. A decisão dos cinco diretores da agência de regulação foi tomada por unanimidade (ver aqui).
O médico se disse ainda surpreso com o fato de o Senado buscar a regulamentação de um produto sabidamente perigoso à saúde do usuário. “A senadora tem apresentado pessoas ligadas à indústria, que fala do conceito de ‘redução de danos’, quando o cigarro eletrônico é tão lesivo quanto o convencional”, afirmou.
Destacou ainda que o Brasil é signatário de vários tratados sobre saúde pública no mundo, os quais são claros em recomendar que os países mantenham a proibição do cigarro.
Corrêa apontou que há mais de 3 mil pesquisas sobre o cigarro. Citou trabalho de cientista americano, com base em 107 desses levantamentos, considerados os melhores por ele, que comparou os cigarros tradicional e eletrônico. “A conclusão é que não há diferença entre eles. Ambos causam diversos problemas: cardiovascular, angina, infarto, derrame, síndrome metabólico, entre outros”, apontou.
O pneumologista acrescentou que o experimento mostrou que, em relação à disfunção erétil, por exemplo, o cigarro eletrônico é duas vezes mais danoso que o convencional. “Não é verdade que cigarros eletrônicos causam menos danos à saúde”, declarou, afirmando que o usuário do eletrônico ainda inala metais.
O experimento mostrou que, em relação à disfunção erétil, o cigarro eletrônico é duas vezes mais danoso que o convencional
Durante o debate, a senadora não conseguiu expor seus argumentos de maneira clara, com pensamentos vagos e frágeis, deixando série de dúvidas sobre o objetivo do projeto. Comparou o cigarro eletrônico ao consumo de droga, dizendo que, embora proibido, o consumo não diminuiu.
Thronicke afirma que, sem regulamentação, o cigarro eletrônico beneficia o crime organizado. “Alguém deve estar protegendo os criminosos”, desconversou.
A parlamentar, além de ignorar decisão da Anvisa que manteve a proibição do cigarro eletrônico no Brasil, aparentou desconhecer o trabalho de repressão ao contrabando nas fronteiras com outros países, como o Paraguai, a 120 quilômetros da principal base de Soraya Thronicke em Mato Grosso do Sul, o município de Dourados.
Ataques ao médico
No mesmo dia, na sua conta no Twitter ou X, a senadora interagiu com vários perfis falsos. Ao invés de expor questões do debate, ela atacou o médico pneumologista Paulo César Corrêa, a quem chamou de mal educado apenas porque o especialista a interrompeu para contrapor a uma informação que ele considerou “equivocada”.
Soraya repetiu o que fez quando a Anvisa manteve a proibição do cigarro eletrônico, com ataques aos especialistas do órgão, cuja finalidade principal é proteger a saúde da população, por meio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços colocados no mercado.