COLUNA VAPT-VUPT
Circulou semana passada nas redes sociais em Mato Grosso do Sul vídeo em que duas mulheres batem boca na rua por conta do Projeto de Lei nº 1.904/2024, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). O texto fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais.
No Brasil, atualmente, o Código Penal prevê aborto em alguns casos, mas sem prazo de gestação: estupro; de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). A tentativa de regulamentação reside justamente nesse ponto, pois a realização do aborto após 22 semanas de gestação implica o uso de uma técnica conhecida como assistolia fetal, que causa grande controvérsia.
Voltemos, pois, ao encontro de duas mulheres, na Rua 14 de Julho, centro de Campo Grande, quatro dias atrás. Não são, digamos, duas mulheres quaisquer. São pré-candidatas a vereadoras na capital.
O Código Penal prevê aborto em alguns casos, mas sem prazo de gestação
PT e partidos de esquerda protestavam contra o projeto. Alguns manifestantes de direita se misturaram aos petistas, como a bolsonarista Vivi Tobias, do PL, que se contrapunha à manifestação.
Não é possível determinar quem começou a confusão, mas a petista Mara Dalila, a Mara do Bairro, investiu contra a bolsonarista. Em seguida, Tobias foi cercada e xingada de “otária” por outra manifestante de esquerda.
Os debates acalorados têm de tudo, menos informação e a busca para sanear o texto. O Legislativo serve para discutir propostas de lei, prevendo inclusive a apresentação de emendas para corrigir ou melhorar o entendimento de determinado artigo.
O argumento da esquerda é de que uma criança não pode ser mãe. Evidentemente que o ponto é correto. Muitas vezes, essas crianças são estupradas por pessoas próximas a elas. Esse é o resultado comum nas investigações sobre tais casos.
O argumento da direita também é apropriado. Praticar aborto de bebê com mais de 22 semanas de gestação é assassinato. Ainda mais porque o procedimento é semelhante ao adotado para condenados à morte, com injeção de substâncias no feto, que levam o coração a parar de bater, antes da interrupção da gravidez.
Os debates acalorados têm de tudo, menos informação e a busca para sanear o texto
Vejam que os dois lados têm, aparentemente, razão, um mais, outro menos.
Há também debate sobre o fato de o projeto prever penas para a mulher que abortar semelhantes ao crime de estupro. Ora, ambos são crimes hediondos e, como tais, têm que haver penas semelhantes. Até porque se pressupõe que a criança estuprada terá acompanhamento multidisciplinar, conforme sugerimos, por meio do recebimento de emendas para sanear o projeto.
O saneamento da matéria servirá para deixar claro o seguinte: a partir do momento em que ficar constatado o estupro de criança, o Estado tem o dever de acompanhar o caso por equipes multidisciplinares. “Ah, mas muitas vezes as famílias não denunciam porque têm medo”, entre outros argumentos. O legislador não pode atuar em cima de subjetivismo. Se assim o fosse, não haveria leis e normas.
O saneamento da matéria servirá para deixar claro o seguinte: a partir do momento em que ficar constatado o estupro de criança, o Estado tem o dever de acompanhar o caso por equipes multidisciplinares
Prosseguindo, a criança vítima de estupro passaria a ser acompanhada e, caso fosse confirmada a gravidez indesejada e cruel, a justiça autorizaria o aborto legalmente. Se o ato criminoso não gerou gravidez, puna-se o estuprador e o Estado continua a prestar assistência à criança violada, com acompanhamento psicológico, ajuda financeira para continuar os estudos, entre outras garantias legais.
Pronto. Por que deixar o projeto de lei à deriva, aberto para discussão dessa forma, gerando destemperos e até agressões? Por conta de “senões”, o Brasil vai autorizar a morte de bebês com mais de 22 semanas, ou cinco meses e 13 dias?
Até porque casos de crianças que descobrirão a gravidez com mais de 22 semanas são bem raros. Toda agressão à mulher e, principalmente, à criança tem sido denunciada à polícia e aos órgãos de proteção e acolhimento. Ademais, acrescentamos que a lei trata de estupro e não de gravidez involuntária, praticada, digamos, por casal de crianças, menina e menino.
Até porque casos de crianças que descobrirão a gravidez com mais de 22 semanas são bem raros
Na mídia de Mato Grosso do Sul, cujas redações estão tomadas por jornalistas contaminados ideologicamente, há completa desinformação sobre o projeto de lei contra o aborto após 22 semanas de gestação. O que menos há são matérias e reportagens para esclarecer pontos e abrir debate em torno do saneamento da matéria, com emendas e até substitutivos, repita-se.
Sites de notícias no Estado têm publicado somente material que contenha crítica ao projeto, como a da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), desprezando opiniões favoráveis à matéria. E não são editoriais, momento em que o veículo de comunicação pode expor seu pensamento sobre determinado assunto, como faz neste momento o MS em Brasília. Fazem-no de forma dissimulada aos olhos do leitor.
Sites de notícias têm publicado somente material que contenha crítica ao projeto, como a da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), desprezando opiniões favoráveis à matéria
Por fim, cartazes e frases como “Criança não é mãe” (ou não pode ser mãe) estão corretos, assim como “Bebê com mais de 22 semanas de gestação é gente” também o são. Discutam-se a proposição de emendas ao projeto de lei, saneiem pontos polêmicos e o país estará no caminho certo, sem radicalismo e bestialidade.
Não é certo resumir o debate ao que pensam a direita e a esquerda, quando a criança que sofreu violência sexual e a futura criança em gestação nascem somente com o sexo definido, sem viés ideológico na certidão de nascimento.
(*) Vapt-vupt é uma coluna do MS em Brasília com opiniões sobre determinado fato de interesse público