ANTONIO CABRERA (*)
Por ocasião da assinatura da Declaração da Independência estadunidense, Benjamin Franklin externou que “devemos todos ficar unidos ou, sem dúvida, seremos enforcados individualmente”. Se eu pudesse transliterar esse ensinamento para o nosso campo, eu diria que “queixada fora do bando é comida de onça”.
Essa é a grande lição que podemos tirar do episódio de boicote aos produtos da empresa de laticínios francesa Danone. Quando o seu CFO, Jurgen Esser, anunciou que a empresa parou de comprar soja do Brasil devido à questão de sustentabilidade, isso representou uma acusação geral a todo o setor produtivo brasileiro.
Nesse sentido, hoje sem dúvida alguma, a pior praga de nossas lavouras é a desinformação sobre o sistema de produção do agronegócio. Não só porque temos uma das legislações ambientais mais rigorosas do planeta, que garantem que o nosso produto é sustentável, mas também pelo impacto dos números do setor.
Se eu pudesse transliterar esse ensinamento para o nosso campo, eu diria que “queixada fora do bando é comida de onça”
A indústria brasileira de alimentos quebrou recorde de exportação em 2023. Esse importante setor do agronegócio nacional faturou quase US$ 62 bilhões com as vendas ao mercado externo em 2023.
Ao todo, o setor enviou 72,1 milhões de toneladas ao exterior, volume equivalente a cerca de 9 quilos para cada habitante do planeta. Uma marca que ultrapassa os EUA.
Segundo a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), 23% do que é produzido pela indústria de alimentos no Brasil é exportado. Mais ainda, o setor processa 61% de tudo o que é produzido pela agropecuária brasileira.
Com esses números em mente, o que fazer diante de tal ataque ao nosso sistema de produção? Tem sido frequente, mormente na Europa, acusações ao Agro brasileiro que não são revidadas, quando no máximo emitimos uma tímida nota de protesto.
A pior praga de nossas lavouras é a desinformação sobre o sistema de produção do agronegócio
Nesse sentido, posso dizer a cada agricultor que o silêncio diante do mal, é em si mesmo um mal. Eu posso trair o setor agrícola do meu país não somente com a minha palavra, mas com o meu silêncio.
Assim sendo, iniciamos uma campanha de boicote aos produtos da Danone para mostrar nossa indignação, não pela opção de escolha da empresa (ela é livre para comprar onde quiser), mas quando faz uma acusação sem embasamento contra a cultura da soja no Brasil.
O resultado é que de maneira surpreendente a campanha se alastrou por todo o Brasil, havendo uma forte reação de brasileiros quanto a essa atitude da companhia. No mesmo dia da campanha, a Danone iniciou um movimento de recuo, desmentindo seu CFO. A retratação começou com a Danone Brasil e chegou até a Danone América Latina.
Finalmente, a Danone França declarou que “não há medidas restritivas na compra da soja brasileira na cadeia de suprimentos da Danone em todo mundo”.
“A Danone continua comprando soja brasileira, que é um insumo essencial para nossos produtores de leite.”
Gigantesca vitória do agronegócio brasileiro!
Eu posso trair o setor agrícola do meu país não somente com a minha palavra, mas com o meu silêncio
Qual a lição dessa empreitada? Ela poderia ser resumida em um provérbio africano que ensina que “quando a manada se une, o leão vai dormir com fome.” É preciso destacar a notável mobilização dos produtores brasileiros e como eles forçaram uma gigante do setor a reconhecer o seu erro. Disso, deve ficar claro que esses tipos de declarações inconsequentes não mais passarão em branco, mas terão a devida resposta.
Eu diria que se os nossos antepassados abriram as fronteiras físicas de nossos campos, a nós será cobrado a abertura de novas fronteiras da comunicação. É preciso que todo o setor esteja unido na defesa legítima de seus interesses.
Afinal, o pior que pode acontecer a uma boa causa não é ser habilmente atacada, mas sim inabilmente defendida.
(*) Antonio Cabrera é médico veterinário e foi ministro da Agricultura do governo Collor e titular da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo no governo Mário Covas