LARISSA ARRUDA, DE BRASÍLIA
O juiz Cleber de Andrade Pinto, da 16ª Vara Cível de Brasília, negou quinta-feira (6) pedido de direito de resposta feito pela senadora Soraya Thronicke (Pode-MS) contra o MS em Brasília, devido a uma crítica sobre a liberação do cigarro eletrônico no Brasil.
O pedido havia sido negado, liminarmente, em 17 de dezembro de 2024. Da decisão sobre o mérito, cabe recurso ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
O texto do Projeto de Lei nº 5.008, de 2023, de autoria da senadora, prevê a liberação da produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos no Brasil.
A ação foi proposta pela parlamentar por causa de um vídeo publicado pelo MS em Brasília nos stories do Instagram, em 20 de setembro de 2024, sobre o risco do cigarro eletrônico. O site acrescentou o seguinte comentário: “Cigarro eletrônico, o veneno que a senadora Soraya Thronicke quer liberar no Brasil”.
A ação foi proposta pela parlamentar por causa de um vídeo publicado pelo MS em Brasília sobre o risco do cigarro eletrônico
Desde a apresentação do projeto, o MS em Brasília tem publicado diversas matérias sobre o lobby da senadora e da indústria do tabaco, acrescentando e reforçando posicionamentos de inúmeras entidades médicas do Brasil, com a postagem de informações rápidas nas redes sociais.
Além da tentativa de censurar a imprensa, Soraya Thronicke usou as redes sociais para criticar decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em 19 de abril de 2024, a qual manteve, de forma unânime, a proibição do vape.
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Além do julgamento do ano passado, o órgão já havia apreciado o caso em 2009 e 2022, ambas as decisões contrárias à fabricação e ao consumo desse produto. Em abril de 2024, irritada com nova decisão desfavorável ao lobby dela e da indústria fumageira, Soraya Thronicke reagiu:
“Na contramão da maioria dos países desenvolvidos, a Anvisa mantém o privilégio para o comércio ilegal! A Anvisa oferece ao povo brasileiro o que há de pior no consumo da nicotina!”, escreveu no Twitter, atualmente X, em 19 de abril de 2024.
Além da tentativa de censurar a imprensa, Soraya Thronicke usou as redes sociais para criticar decisão da Anvisa
Na sequência, ela coloca em dúvida a decisão do colegiado da Anvisa: “Além disso, o que nos causa “espécie” é mais uma decisão unânime! Tudo tem sido unânime na Anvisa! É muita coincidência!”. A senadora não parou por aí e usou o Senado para constranger a Anvisa: “De repente a CPI poderá esclarecer tantas questões…”.
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A ação judicial
Em 12 de dezembro do ano passada, a senadora Soraya Thronicke acionou a Justiça do Distrito Federal com pedido de liminar para obter direito de resposta. Alegou que a publicação tinha conteúdo difamatório. Antes, ela havia acionado extrajudicialmente a Advocacia do Senado.
Em sua defesa, o MS em Brasília afirmou que, ao contrário do que tenta fazer crer a senadora, em todo material divulgado pelo site sobre o projeto de lei nº 5.008/2023, não havia qualquer desinformação, inverdades ou ofensas à senadora Soraya Thronicke, ou a qualquer membro do Congresso Nacional.
“Ao propor tal projeto, devia se saber que haveria alta rejeição, uma vez que o Brasil lutou por vários anos contra o cigarro comum e, com muito custo, conseguiu reduzir o consumo. Logo, compete a cada um julgar a intenção do texto legislativo, especialmente a um site de notícias, cuja liberdade de expressão é matéria expressa na Constituição”, destacou a defesa do site, sob a responsabilidade de Alcides Gomes e Luiz Afonso Advogados, de Campo Grande.
“Ao propor tal projeto, devia se saber que haveria alta rejeição, uma vez que o Brasil lutou por vários anos contra o cigarro comum e, com muito custo, conseguiu reduzir o consumo” — Trecho da defesa do MS em Brasília
Argumentou ainda que o MS em Brasília sempre se guiou por posicionamentos de 80 entidades médicas e profissionais especializados em doenças causadas pelo tabagismo. E que sempre colocou o ponto de vista da senadora, “por meio da exposição de motivos contida na proposta legislativa, ou extraído de postagem dela nas redes sociais, ou mesmo de debates online sobre o tema”.
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A contestação traz ainda parte da decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tomada em 19 de abril de 2024, que rejeitou a produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos no país.
A defesa levou ainda à Justiça uma série de material que aponta risco à saúde pública do país, caso o Senado aprove o projeto da senadora Soraya Thronicke. Entre elas, artigo assinado por diversos ex-ministros da Saúde contra o texto legislativo (ver aqui).
Entre tantos argumentos, fez menção à reportagem da revista Piauí, publicada semana passada, segundo a qual a senadora Soraya Thronicke viajou à Itália em maio de 2024 com as despesas pagas pela Philip Morris (ver aqui), uma das maiores fabricantes de cigarros do mundo.
O MS em Brasília sempre se guiou por posicionamentos de 80 entidades médicas e profissionais especializados em doenças causadas pelo tabagismo
Mérito
Ao julgar o mérito da ação proposta por Soraya Thronicke, o juiz Cleber de Andrade Pinto afirma que “a Constituição Federal protege o direito à livre manifestação do pensamento, assegura o direito à informação e veda qualquer tipo de censura política, ideológica e artística”.
O magistrado citou diversos julgados e artigos constitucionais sobre liberdade de expressão, direito de resposta, entre outros. “Assim, diante dos dispositivos legais supracitados, é possível concluir que o ordenamento jurídico brasileiro assegura a livre manifestação da opinião, desde que não haja abuso desse direito que viole a imagem de outrem”, apontou.
Andrade Pinto entende que o site usou o direito à crítica para se manifestar sobre projeto de lei que, na opinião do veículo, causará sérios danos à saúde da população, caso seja regulamentado.
“As publicações questionadas não excederam o legítimo exercício da liberdade de expressão da parte ré, do direito à informação, tampouco contém conteúdo difamatório em relação a autora”, destacou.
“As publicações questionadas não excederam o legítimo exercício da liberdade de expressão da parte ré, do direito à informação, tampouco contém conteúdo difamatório em relação a autora” — Trecho da decisão do juiz Cleber de Andrade Pinto
Segundo a decisão, as postagens apenas narram os fatos que realmente aconteceram referentes à atuação da senadora em relação ao projeto de lei, de sua autoria, pretendendo tratar da produção, importação, exportação, comercialização, controle, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos no Brasil.
Sujeito à crítica
O juiz afirma que, “apesar de haver conteúdo crítico nas publicações, não houve excesso ou abuso da parte do site em relação ao seu legítimo exercício da liberdade de expressão e da atuação jornalística, não tendo intuito ofensivo ou de expor a requerente a situações vexatórias, tampouco divulgar inverdades, havendo apenas cunho crítico em relação a atuação da senadora”.
Ao concluir, o juiz Cleber de Andrade Pinto diz que a atividade política e os agentes políticos estão sujeitos a opiniões políticas e críticas mais ácidas, já que sua atuação passa a interessar a coletividade.
“Ao ocupar cargo público, de destaque e de relevante interesse para a população, será alvo de comentários, elogios, críticas, tendo sua vida privada e imagem mitigados de forma natural frente à liberdade de informação da coletividade”, pontuou.
Além de negar o pedido em decisão de mérito, a Justiça condenou a senadora Soraya Thronicke ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, no valor de R$ 3.500,00.