LARISSA ARRUDA, DE BRASÍLIA
Os três advogados que assinam processo judicial em que a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) pede direito de resposta contra o MS em Brasília são servidores do Senado.
Em 11 de dezembro, a parlamentar entrou com pedido de liminar para responder a uma publicação do site sobre o risco que o cigarro eletrônico causa à saúde pública do país.
Soraya Thronicke é autora do Projeto de Lei 5.008/2023, que pretende liberar a fabricação, comercialização e propaganda do produto no Brasil. A proposta já foi rejeitada em três decisões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a última em abril do ano passado (ver aqui), apesar de o texto legislativo em si não ter sido objeto principal dos julgamentos.
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O pedido da senadora, contudo, foi negado em 17 de dezembro do ano passado. Em julgamento de mérito na quinta-feira (6) da semana passada, o juiz Cleber de Andrade Pinto, da 16ª Vara Cível de Brasília, manteve entendimento anterior, segundo o qual não houve conteúdo difamatório contra a senadora, conforme manifestação da defesa do site, representada por Alcides Gomes e Luiz Afonso Advogados em Campo Grande (ver aqui).
“A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, apontou o magistrado, ao negar o pedido de liminar.
Reforçou que a Constituição protege, tanto o direito à informação, quanto a intimidade e imagem dos cidadãos. “No presente caso, não se verifica conteúdo difamatório nas reportagens questionada pela autora”, acrescentou.
“No presente caso, não se verifica conteúdo difamatório nas reportagens questionada pela autora” — parte da decisão do juiz Cleber de Andrade Pinto
A publicação
Em 20 de setembro de 2024, o MS em Brasília postou vídeo nos stories do seu perfil no Instagram sobre o risco que o cigarro eletrônico pode causar aos usuários, com a frase “Cigarro eletrônico, o veneno que a senadora Soraya Thronicke quer liberar no Brasil”.
O processo é assinado por três advogados. O site apurou que Igor Carvalho Ulhoa Faria e Hugo Souto Kalil são servidores efetivos do Senado e Rafaela da Silva Fernandes, comissionada. Eles estão lotados no Núcleo de Processos Judiciais da Advocacia da Casa.
De acordo com o Portal Transparência do Senado, Ulhoa Faria tem salário de R$ 41.846,26 e Kalil de R$ 45.507,16, que também é coordenador da área. Rafaela Fernandes, segundo a publicação, recebe quatro vezes menos, R$ 10.581,54.
O processo é assinado por três advogados. O site apurou que Igor Carvalho Ulhoa Faria e Hugo Souto Kalil são servidores efetivos do Senado e Rafaela da Silva Fernandes, comissionada
A Advocacia é um “órgão de assessoramento superior do Senado”. Entre as competências listadas, estão “atuar em juízo na defesa das prerrogativas da Casa e do Congresso Nacional, neste caso mediante autorização específica, asseguradas as garantias profissionais conferidas aos advogados públicos pela Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994”.
Ocorre que o pedido de direito de resposta feito pela senadora não se trata de garantir as “prerrogativas do Senado”, as quais estão asseguradas legalmente e quanto a isso não há contestação.
Lobby do mal
A discussão se trata de lobby em torno de matéria rejeitada por organizações, associações e entidades médicas do país. A própria Anvisa já considerou que o cigarro eletrônico é produto que causa sérios danos à sociedade.
Ao permitir que advogados pagos com recursos públicos atuem na defesa dos argumentos da parlamentar, o Senado age contra o país e a favor do vape. O projeto é também combatido por vários ex-ministros da Saúde. Em abril de 2024, eles se manifestaram por meio de artigo publicado na Folha de S. Paulo sob o título “Cigarro eletrônico é ameaça à saúde pública” (ver aqui).
Ao permitir que advogados pagos com recursos públicos atuem na defesa dos argumentos da parlamentar, o Senado age contra o país e a favor do vape
A comprovação de que o projeto se trata de lobby da indústria do tabaco ficou evidente em denúncia feita pela revista Piauí de que Soraya Thronicke viajou em maio de 2024 para a Itália com as despesas pagas pela Philip Morris, uma das maiores fabricantes de cigarros do mundo (ver aqui).
Em dezembro, o MS em Brasília procurou a assessoria de imprensa da presidência do Senado pedindo explicações sobre a liberação de servidores da Casa para atuar em favor de lobby da senadora. No entanto, quase dois meses depois, não houve retorno até o fechamento deste material.