CAMPO GRANDE
A sucuri só sabe se uma presa não é boa para sua digestão depois que a engole. No entanto, se o animal escolhido não lhe desce bem, imediatamente ela dá início ao processo de regurgitação. Põe para fora aquilo que lhe incomoda com rapidez maior com que o engoliu.
Há alguma semelhança em relação ao processo de apear maus políticos dos cargos para os quais foram eleitos. Prova disto é que a população sul-mato-grossense não suportou quatro anos de Loester Trutis (PL) em Brasília e o regurgitou de pronto. Em outubro de 2022, o então parlamentar recebeu sonoro “não” ao tentar a reeleição. Nesse período, “aprontou diabos” com carimbo de “deputado de Mato Grosso do Sul”. Fez a população passar vergonha.
Trutis é tema de editorial porque sintetiza o que há de pior na política: quando candidato, ataca a chamada “velha política”, prega honestidade, condena a corrupção e pede respeito à coisa pública, princípio em que se rejeita hierarquias e privilégios, repudia práticas paternalistas, clientelistas e nepotista. Ao se eleger, faz as mesmas coisas, escondido atrás do falso moralismo.
A maioria dos casos envolvendo o ex-parlamentar foi divulgada pelo MS em Brasília. Repórteres atentos e experientes na cobertura do Congresso, logo começaram a desmontar as fake news trutisnianas. Foram diversas situações sobre mau uso de recursos públicos. Virou hábil mentiroso, aproveitando-se da falta de informação que atinge a maioria das pessoas. Chegou ao absurdo de anunciar como leis a simples apresentação de projetos de lei (ver aqui).
Repórteres atentos e experientes na cobertura do Congresso, logo começaram a desmontar as fake news trutisnianas
Além de não combater as “mamatas”, Trutis fez pior: deu upgrade às falcatruas. Em um dos casos mais escabrosos, divulgado com exclusividade pelo MS em Brasília, pagou aluguel de casa no Bairro Vilas Boas em Campo Grande com verba da Câmara dos Deputados, onde morava com a esposa e três filhos (ver aqui). Saiu de lá somente depois que assumiu relação amorosa com sua então assessora Raquelle Lisboa Alves.
Trutis concluiu o mandato com ao menos quatro processos no lombo: acusado de ter forjado o próprio atentado; por ter chamado delegado da Polícia Federal de “safado”, “vagabundo” e “corrupto”, por calote em locadora de veículos em Brasília e pela posse ilegal de fuzil e pistolas (ver aqui, aqui, aqui e aqui).
O deputado federal Fábio Trad (PSD) também foi imediatamente regurgitado por fazer oposição ácida (e até doentia) ao governo Bolsonaro, depois de ter sido eleito em 2018 com o voto de milhares de apoiadores do presidente. Outros parlamentares tiveram situações irregulares, extravagantes e constrangedoras expostas à sociedade, como os senadores Nelson Trad Filho (PSD) e Soraya Thronicke (União) e os deputados Vander Loubet (PT), Dagoberto Nogueira (PSDB) e Rose Modesto (ver aqui, aqui, aqui e aqui). Desses, três não disputaram as últimas eleições.
O deputado federal Fábio Trad também foi imediatamente regurgitado pelo eleitor por fazer oposição ácida (e até doentia) ao governo Bolsonaro
O caso mais recente pegou em cheio o deputado Beto Pereira (PSDB). No início deste mês, ele foi ao Marrocos ver o Flamengo no mundial de clubes. Para não ter as faltas descontadas do seu salário de R$ 39,3 mil, justificou que estava em “missão oficial” (ver aqui).
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, há diversos “Loester Trutis”. Não se engane. Em Brasília, então, nem se fala. Alguns com quatro, cinco e até dez mandatos seguidos. É só o eleitor prestar atenção. Malfeitores sempre estiveram em Brasília e em todos os cantos do país: governos, prefeituras, assembleias, câmaras. As grandes operações de combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e a outros crimes expuseram a maioria dos envolvidos.
Em 2005 e 2014, coincidentemente nos governos petistas, surgiram dois grandes escândalos sobre desvio de bilhões em recursos públicos: o Mensalão e a Operação Lava Jato, de onde emergiram “novos ladrões”. O PT levou para Brasília plêiade de malfeitores, como José Dirceu e vários tesoureiros do partido, como Delúbio Soares, Paulo Ferreira e João Vaccari Neto, além de se ligar umbilicalmente a centenas de políticos, diretores e executivos de órgãos públicos e empresas.
O PT levou para Brasília plêiade de malfeitores, como José Dirceu e vários tesoureiros do partido
Fenômeno mais recente, o bolsonarismo deu sua contribuição e mandou representantes de má índole para Brasília. É verdade que, ao mesmo tempo, revelou bons nomes nacionalmente, como o atual governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas. Em Mato Grosso do Sul, para cada mau bolsonarista eleito, revelou-se um bom, aparentemente. Na Assembleia Legislativa, destaque para Capitão Contar (PRTB), o deputado estadual mais votado em 2018. Contar se manteve ao lado de Jair Bolsonaro. Não arredou pé. Fez mandato digno. De zebra na disputa pelo Governo do Estado, chegou ao segundo turno contra Eduardo Riedel (PSDB).
A boa surpresa bolsonarista, em Brasília, foi o deputado federal Dr. Luiz Ovando (PP), médico há 47 anos. Valorizou não somente o voto que recebeu de cada sul-mato-grossense, como ajudou a qualificar os debates na Câmara dos Deputados. Daí ter recebido mais quatro anos da população. Na atual legislatura, há expectativa sobre o deputado federal mais votado, Marcos Pollon (PL). Bem articulado, deve tomar cuidado para não ficar conhecido como o “deputado de uma causa só”, a armamentista.
E quando um erro não sai da cabeça dos eleitores? Os de Mato Grosso do Sul não se perdoam por ter trocado o senador Waldemir Moka (MDB) por Soraya Thronicke (União) em 2018. Moka disputava a reeleição, depois de um primeiro mandato em que esteve entre os políticos mais bem avaliados do país, além de personalidade respeitada nacionalmente. Era um dos poucos – ou quase único – que enfrentava o soberbo Renan Calheiros, no Senado. É da lista dos maiores políticos de Mato Grosso do Sul, onde figuram os irmãos Plínio e Wilson Barbosa Martins, Lúdio Coelho, Pedro Pedrossian, Juvêncio César da Fonseca, Ramez Tebet, Marisa Serrano, Levy Dias.
Moka é da lista dos maiores políticos de MS, onde figuram os irmãos Plínio e Wilson Barbosa Martins, Lúdio Coelho, Pedro Pedrossian, Juvêncio César da Fonseca, Ramez Tebet, Marisa Serrano, Levy Dias
Dentro de quatro anos, o sul-mato-grossense, que regurgitou Loester Trutis e Fábio Trad em 2022 por motivos diferentes, tal qual sucuri que põe para fora presa que não desceu bem, terá a chance de expelir mais gente. O processo de regurgitação da senadora Thronicke, por exemplo, está em andamento; de Nelsinho Trad igualmente, embora mais lento.
Que os eleitores entendam isto: o voto serve para eleger e deseleger representantes. Dá também oportunidade de criar líderes, abrir as portas do setor público a pessoas bem avaliadas e, sobretudo, bem intencionadas. Ao mesmo tempo, dá asas a personagens insignificantes e oportunistas, os quais os eleitores parecem começar a regurgitá-los com o mesmo instrumento que os elegeram: o voto.