BRASÍLIA
O processo contra o ex-deputado Loester Carlos Gomes de Souza, o Trutis (PL), acusado de ter planejado o próprio atentado, em 16 de fevereiro de 2020, enfrenta mais um capítulo, no mínimo, interessante. A ação se arrasta por dois anos e cinco meses.
Enquanto estava no Supremo Tribunal Federal (STF), o processo poderia ser consultado por qualquer cidadão, mediante cadastro, especialmente com uso de certificado digital. O Código de Processo Civil determina que os atos processuais devem ser públicos.
No Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, para onde a Suprema Corte encaminhou o caso em 14 de fevereiro deste ano (ver aqui), tramitará sob ‘segredo de justiça’. Por meio de sua assessoria de imprensa, o tribunal informou que não pode se pronunciar sobre ações nessa condição.
O Código de Processo Civil determina que os atos processuais devem ser públicos
Ao MS em Brasília, o advogado Alcides Gomes afirmou que, embora a legislação prevê que os atos processuais devem ser públicos, há situações no próprio Código que estabelecem o sigilo, cujo acesso às informações só é permitido às partes envolvidas e seus advogados, além do Ministério Público.
Cita as condições previstas no Artigo 189 do Código de Processo Civil, como o interesse público e social; processos que tratem sobre casamento, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade, entre outras situações.
O advogado explica que, com a decisão do STF de declinar da competência de julgar o ex-deputado em razão da perda do foro especial, o caso deverá prosseguir no TJ-MS do ponto em que parou. Na Suprema Corte, o processo estava instruído, com provas colhidas, o que deve acelerar o julgamento.
Histórico de ofensas
O MS em Brasília apurou que, um dos motivos para a decretação do segredo de justiça, pode ser o fato de o ex-deputado ter histórico de ofensas a autoridades. Em 2021, Trutis fez ameaças e xingou o delegado de Polícia Federal Glauber Fonseca de Carvalho Araújo, responsável pelas investigações do suposto atentado. É uma forma de resguardar o juiz do caso.
Em 2021, Trutis fez ameaças e xingou o delegado de Polícia Federal Glauber Fonseca de Carvalho Araújo
Por diversas vezes, o então parlamentar atacou o profissional, chamando-o de “safado, corrupto e vagabundo”. As ofensas levaram o delegado a mover ação contra o ex-deputado, que corre na 16ª Vara Cível de Campo Grande (ver aqui). “Há também a possibilidade de ser decretado segredo de justiça quando houver interesse público”, acrescenta Alcides Ney, do escritório Alcides Gomes Advogados.
Há também a possibilidade de o advogado do réu ter solicitado a tramitação com restrição à consulta, mas é pouco provável que o tribunal tenha acolhido pedido nesse sentido, até porque o STF não viu necessidade de resguardar as informações contidas na ação, desde sua origem, em 3 de novembro de 2020.
Em razão de o processo tramitar na justiça estadual sob segredo, o MS em Brasília fica impedido de divulgar novas informações sobre o caso, inclusive as explicações da defesa do ex-deputado. O tribunal, no entanto, pode levantar o segredo a qualquer momento.
O caso
Em 16 de fevereiro de 2020, o então deputado Loester Trutis viajava de Campo Grande para Sidrolândia, quando o carro em que estavam teria sido atingido por vários disparos de arma de fogo. O caso ganhou repercussão porque o então parlamentar era defensor do porte e posse de armas e membro da chamada “bancada da bala” na Câmara dos Deputados.
Durante as investigações, a Polícia Federal em Mato Grosso do Sul concluiu que o crime teria sido forjado por Trutis e por seu então chefe de gabinete Ciro Nogueira Fidelis, que também responde ao mesmo processo (ver aqui).
PF concluiu que o crime teria sido forjado por Trutis e por seu então chefe de gabinete
A polícia chegou a essa conclusão após exaustivas investigações, além de análises do rastreador do carro, câmeras espalhadas pela BR-060 e dezenas de laudos periciais. No inquérito, a PF aponta que o assessor do deputado à época entregou o celular para ser periciado, mas mudou a senha em seguida. Os investigadores classificaram o suposto atentado como “tragicomédia com dois atores: o deputado e seu motorista, Ciro Fidélis”.
Entre as evidências de que se tratou de farsa estão disparos de pistola Glock 9 mm de fora para dentro do Corolla e disparos de pistola Taurus de dentro para fora do carro. Para a PF, os tiros nas duas direções serviram para justificar a versão do deputado, de que ele revidou ao ataque e por isso, sobreviveu. Mas, de acordo com análise técnica, seria impossível Trutis sair ileso do atentado.
Em 12 de novembro de 2020, a ministra Rosa Weber, do STF, autorizou a Operação Tracker contra o então deputado Loester Trutis nos endereços em Campo Grande e Brasília. Trutis chegou a ficar preso por algumas horas, mas a ministra relaxou a prisão em razão do foro privilegiado do acusado na ocasião.
De acordo com análise técnica, seria impossível Trutis sair ileso do atentado
Em agosto de 2022, por 11 a 0, o STF tornou réu o ex-deputado por comunicação falsa de crime, porte ilegal e disparo de arma de fogo (ver aqui). A denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República.