ROBERTO MOTTA (*)
Me lembro do meu pai debruçado sobre planilhas, com pilhas de papéis ao lado na mesa, tentando fechar as contas, encontrar um equilíbrio no orçamento de casa. Era uma tarefa quase impossível.
No início, eram planilhas em papel. Meu pai colava várias folhas de papel quadriculado uma na outra, formando uma planilha enorme que cobria a mesa toda. Nela ele anotava, com lapiseira, minuciosamente, o salário recebido e todas as despesas, uma em cada linha. Anotava também a poupança e os investimentos, onde colocava o pouco que ele conseguia poupar.
Era uma luta solitária e inglória. Ele lutando para economizar alguma coisa, e o resto da família — minha mãe, eu e meus três irmãos — com necessidades e desejos sempre crescentes.
Nela ele anotava, com lapiseira, minuciosamente, o salário recebido e todas as despesas, uma em cada linha. Anotava também a poupança e os investimentos
Passado o tempo, meu pai mudou do papel para uma planilha eletrônica. Quando ele se aposentou, o dilema continuava o mesmo. Ele passava horas sentado fazendo seus cálculos impossíveis, movendo algarismos de uma coluna para outra.
Ele conseguiu tirar desse esforço um resultado impressionante.
Quando ele ficou doente do mal que o mataria — um covarde câncer de pâncreas — ele consentiu em transferir aquela tarefa para mim, e naquele momento eu tive certeza de que ele se despedia.
Quando fui olhar os números, me surpreendi: sua aposentadoria era muito menor do que imaginávamos.
Quando fui olhar os números, me surpreendi: sua aposentadoria era muito menor do que imaginávamos
Ele tinha realizado o milagre da multiplicação do dinheiro, e completado sua missão de educar quatro filhos nos melhores colégios e faculdades particulares com seu único salário e com a ajuda de minha mãe, que sempre nos conseguia bolsas de estudos, e lutava diariamente para economizar em tudo.
Hoje, enquanto o resto da casa está ocupado com outras coisas, eu me sento diante de uma planilha, e repito o ritual que meu pai me ensinou: coloco em uma linha o salário, depois uma linha para cada despesa – e, assim, presto uma inadvertida homenagem ao homem que me colocou no mundo e me educou – e me ensinou o valor do esforço, do trabalho, do dinheiro e da família.
Pai, muito obrigado.
(*) É engenheiro, escreveu cinco livros. É comentarista da Jovem Pan News, ex-consultor do Banco Mundial e ex-secretário de Estado. Texto publicado originalmente no Twitter do autor.