POR ALEXSANDRO NOGUEIRA (*)
Outro dia, um amigo me enviou uma mensagem pelo WhatsApp ironizando o texto saudosista que escrevi para o site MS em Brasília (ver aqui), a respeito da nova versão de “Moon River”, uma clássica melodia composta pelo maestro Henry Mancini, em 1961, para o filme “Breakfast Tiffany”.
Na opinião dele, estou envelhecendo mal e meu artigo é um claro sinal de que tenho um apego exagerado ao passado. Ou seja, não sei conviver bem com aquilo que chamamos ou denominamos como saudade.
Vou poupar os leitores das entrelinhas desse comentário, mas essa análise comportamental a meu respeito, feita por uma pessoa tão próxima, confrontou meus dilemas e o que vem acontecendo à minha volta.
Às vezes, nas viagens das minhas lembranças, fico com vontade só de partir e demorar para chegar, esquecendo o caminho da estrada que vai me levar de volta
Uma coisa esquisita que ativa em mim alguns gatilhos de lembranças sobre um tempo iluminado, diferente, como se eu pudesse alterar os rumos da minha história e tudo seria mais leve, menos racional e duradouro.
O americano Derek Thompson, escritor e jornalista, tem uma visão mais ampla desse fenômeno nos seres humanos. São relatos e experiências interessantes coletadas para seu livro seminal, publicado nos EUA em 2017, com o título de “Hitmakers – como nascem as tendências”.
Na opinião dele, existe algo de especial em relação à nostalgia que é mais do que um mero hábito. Com base em um estudo extenso, o autor argumenta que os seres humanos gostam de repetir experiências, não só para recordar os bons momentos da vida, mas também para lembrar de si mesmo, como uma espécie de entendimento existencial.
Existe algo de especial em relação à nostalgia que é mais do que um mero hábito
No livro, ele explica que o primeiro passo dessas novas descobertas se deu quando cientistas observaram um tipo de sensação de bem-estar em consumidores de músicas que remetem os ouvintes a períodos da juventude.
O jornalista relata que esse processo acontece porque criamos uma relação de sinestesia com canções ou séries favoritas, intercalando melodias, cenas com os momentos marcantes da vida pessoal, dando a cada enredo ou cantiga, uma dimensão emocional, um apego à lembrança.
Com um mergulho profundo no tema, Thompson esboça ainda respostas sobre a relação dos personagens dos livros e filmes com o despertar da imaginação. Entre suposições e teorias, ele defende o argumento de que os enredos dessas tramas constroem sonhos, lugares e amigos no inconsciente de cada ser humano.
Algo assim: “se eu estou em uma sala de cinema ou em uma mesa de biblioteca, me desligo do mundo. Quando percebo, fui transportado para outro lugar, revi e fiz novos amigos”. Uma espécie de viagem ilusória no tempo.
Todo esse coquetel de fantasia é definido pelo escritor como uma linguagem imaginativa aguçada pelas boas lembranças das vida, um espécie de glossário de amizades, sem presente ou futuro, muito além das fronteiras do mundo.
Todo esse coquetel de fantasia é definido pelo escritor como uma linguagem imaginativa aguçada pelas boas lembranças das vida
Thompson explica que esse hábito passou a ganhar força por causa do cotidiano áspero, competitivo e selvagem das pessoas. Algo definido por ele como uma espécie de fuga da realidade, que, por alguns minutos ou horas, nos obriga a suspender tudo, desligar o entendimento e nos perder no rumo das coisas.
A partir de “Hitmakers”, percebi o que faz da nostalgia uma sensação tão especial na aventura humana é o fato de que, por meio desse sentimento, conseguimos nos libertar das nossas dores e culpas, sem vilões e mocinhos, sem crimes e erros. Às vezes, nas viagens das minhas lembranças, fico com vontade só de partir e demorar para chegar, esquecendo o caminho da estrada que vai me levar de volta.
(*) É jornalista em Campo Grande