BRASÍLIA / CAMPO GRANDE
Mais de duas décadas se passaram desde que surgiu possibilidade única de o Brasil investir recursos internacionais no Pantanal. Assinado em 2001 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e pelo então governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, o Programa Pantanal não saiu do papel. Os projetos foram anunciados, à época, como algo grandioso, que mudaria os destinos desse bioma no país.
O programa previa investimentos de 400 milhões de dólares, o equivalente a R$ 2 bilhões na cotação atual, em obras e ações de proteção, preservação e desenvolvimento sustentável do bioma.
Em 2023, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a retomada do programa, financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em meio ao descontrole dos gastos públicos, cujo rombo deve fechar o ano perto de R$ 100 bilhões.
O Ministério de Orçamento e Planejamento e o de Agricultura e Pecuária (MAPA) receberam incumbência de reformular a proposta de financiamento do programa, rebatizado de BID Pantanal. O Ministério do Meio Ambiente que, no primeiro governo de Lula fez objeção a pontos do contrato de empréstimo, dessa vez ficou de fora das negociações e formatação dos projetos.
O Programa Pantanal foi enterrado logo no primeiro governo do PT, em 2003, quando o presidente Lula cortou 97% dos recursos federais
Os governos de MS e MT têm até este mês de novembro para encaminhar os projetos ao Ministério do Planejamento. Em Mato Grosso do Sul, o Governo do Estado elegeu a recuperação do Alto Taquari para aplicação do dinheiro que vier do BID. Para outras ações no Baixo Pantanal, a ideia é investir recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O assoreamento do Rio Taquari é o passivo ambiental mais “escandaloso”, segundo ambientalistas, pelo longo tempo de espera por intervenções para sua recuperação. A degradação chegou a um ponto em que os investimentos necessários à recuperação alcançam o valor de R$ 500 milhões.
O Programa Pantanal foi enterrado logo no primeiro governo do PT, em 2003, quando o presidente Lula cortou 97% dos recursos federais. O fim dos projetos ocorreu um ano antes de findar a primeira gestão petista. A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criticou o acordo com o BID assinado no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.
Marina afirmou, à época, que o dinheiro não viria de graça e que o governo teria que bancar uma contrapartida equivalente ao montante a ser financiado, de US$ 400 milhões.
“Não era vantajoso do ponto de vista do interesse público. Não estava atendendo às necessidades do país”, justificou Marina Silva à época. Ela culpava o governo do PSDB por cláusulas que dificultavam a licitação de obras. “Para internalizar os recursos, o governo federal pagava uma taxa muito maior do que o que estava sendo disponibilizado para os investimentos”, dizia.
Corte de verba
O projeto original previa contrapartida de 25% do Governo federal e participações de 12% cada para os governos de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Ao longo de quatro anos, deveriam ser gastos US$ 165 milhões para descontaminar os rios, diminuir o assoreamento, proteger a vegetação, construir estradas, alavancar o ecoturismo e incentivar a economia.
Após esse período, o contrato poderia ser renovado por outros quatro anos, com previsão de serem injetados US$ 400 milhões até 2009.
A primeira fase do convênio terminou e, dos US$ 165 milhões iniciais, foram gastos apenas US$ 4,6 milhões, basicamente em juros, taxas do empréstimo e consultorias. Em 2002, foi movimentada pequena quantia do total previsto no projeto, distribuída entre os atores do programa.
Segundo informações do governo à época, estavam previstos R$ 30 milhões para o ano de 2003. O governo Lula decretou contingenciamento e decidiu gastar apenas 3% do que deveria colocar como contrapartida
O corte do Governo federal levou os dois Estados também a não desembolsar suas partes, gerando o encerramento do Programa Pantanal. À época, os governadores de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso não fizeram pressão política para obrigar Lula rever o corte dos investimentos federais e destravar a liberação do dinheiro do BID.
Retomada morosa
A partir de julho deste ano, o ministro da Agricultura e Pecuária (MAPA), Carlos Fávaro, iniciou por Mato Grosso uma série de audiências públicas em municípios do Pantanal Mato-Grossense para debater as prioridades do Estado, anunciando que sugeriu — e Lula concordou — que os estados e os municípios contemplados não sejam os devedores do financiamento dos projetos. Que o devedor fique sendo a União, cabendo apenas ao Governo federal o ônus da amortização do empréstimo.
Segundo o ministro, o programa dessa vez deve sair do papel porque foi incluído entre os três grandes investimentos de desenvolvimento regional do país com dinheiro do BID, focados na sustentabilidade. Fávaro ainda propaga que os projetos não prejudicam as atividades produtivas locais.
“Nós temos que tirar definitivamente o preconceito de que produzir é contra o meio ambiente, que agricultores e pecuaristas são contra o meio ambiente. E o inverso também: que o meio ambiente é contra os produtores rurais. Não existe isso”, disse o ministro em audiência com autoridades em Mato Grosso.
Fávaro não sinalizou, no entanto, por quantos anos será necessário esperar pela aprovação do financiamento nem o cronograma de consultorias técnicas, que são demoradas e custam caro.
Os analistas mais céticos preveem que o governo Lula deve passar pelo menos dois anos propagando o convênio com o BID, além de ter que dissuadir o lobby de usineiros, sojicultores e mineradores que tentam expandir suas atividades no entorno do Pantanal e bacias hidrográficas do Paraguai e Paraná.
As propostas de MS e MT serão analisadas pelo Conselho de Financiamento do BID até dezembro. Para os governos dos dois estados pantaneiros o desafio é agasalhar os interesses e necessidades dos vários municípios sob influência do Pantanal, organizações civis e produtores rurais. Em Mato Grosso, já há debates acalorados entre as prefeituras sobre quem deve receber mais dinheiro em função das demandas e vulnerabilidade ambiental.
Mato Grosso do Sul
Em Mato Grosso do Sul, enquanto o MAPA encaminha a reformulação do Programa BID Pantanal, o governador Eduardo Riedel (PSDB) iniciou discussões com produtores e o setor de turismo para elaborar uma lei estadual específica sobre o desenvolvimento sustentável do Pantanal.
Riedel recebeu pecuaristas pantaneiros no início de outubro e considerou “importante discutir o desenvolvimento sustentável da região, levando em conta o alcance social, que impacta diretamente na vida do pantaneiro”.
O governador disse que há o desafio ambiental de preservar e ainda transformar as atividades no Pantanal em renda aos produtores locais. “Por isso estamos discutindo um fundo de investimento específico sobre o bioma com o BNDES. Nosso foco é na preservação e no campo social em todo Estado, sem deixar ninguém para trás”.
Quanto ao dinheiro do BID, Riedel projeta investir na recuperação do Taquari. De acordo com o Instituto de Meio Ambiente do Estado (Imasul), ações de conservação e preservação ambiental na bacia do Rio Taquari teriam impacto direto em toda planície pantaneira.
O projeto do Taquari é tão antigo quanto o programa de duas décadas atrás, agora adotado pelos Ministérios do Orçamento e Planejamento, e da Agricultura e Pecuária e incluído na nova versão do PAC.
Segundo o Imasul, o primeiro projeto para recuperação, preservação, recomposição florestal, manejo e recomposição do solo da área do Alto Taquari está orçado em US$ 100 milhões. Seriam necessários outros US$ 100 milhões para ações diretas na preservação, conservação, políticas de saneamento e resíduos sólidos em outras áreas do Pantanal.
Enquanto o programa BID Pantanal não desenrola, o Governo de Mato Grosso do Sul executa ações pontuais através de um Plano Estadual de Manejo e Conservação do Solo e Água (Prosolo) em parceria com o Instituto Taquari Vivo e o Consórcio Intermunicipal Cointa na microbacia do córrego Pontinha, em Coxim, no Norte do Estado.
São intervenções visando a recuperação de área degradada, recomposição de reserva legal e adequação das estradas vicinais na tentativa de conter o processo de assoreamento do Taquari.
Os trabalhos começaram no final de 2021 com meta de recuperar 2,4 milhões de hectares de lavouras e pastagens e readequar 6,6 quilômetros de estradas vicinais. Até julho deste ano foram executados 330 quilômetros de terraços nas lavouras e pastagens para contenção de processos erosivos, abrangendo uma área de 1.600 hectares.
Em outra frente, o Imasul iniciou o plantio de 2 milhões de mudas de árvores nativas do Cerrado para recompor a vegetação em uma área de 1.300 hectares ocupada por pastagem degradada na região do Parque Estadual das Nascentes do Rio Taquari.
O Pantanal Sul-Mato-Grossense, onde estão dois terços do bioma, mantém aproximadamente 85% de sua área preservada, mesmo após três séculos de ocupação humana. Ainda assim, o Governo do Estado assume o compromisso de garantir a continuidade da conservação e sustentabilidade do desenvolvimento para a região.
Incêndios no Pantanal
Enquanto os projetos de ações para garantir o desenvolvimento sustentável na região pantaneira são rediscutidos, o bioma enfrenta a ameaça do fogo. Em abril deste ano, o Governo do Estado anunciou reforço do plano integrado para combater o desmatamento e as queimadas, mas a estiagem alastrou os incêndios.
De acordo com as estatísticas, entre 2021 e 2022 houve redução de 74,7% nos focos de calor nos três biomas do Estado — Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica — passando de 9.377 para 2.368 ocorrências.
No Pantanal, a área queimada e os focos de calor tiveram redução de mais de 80%. Em 2021, foram queimados mais de 1,3 milhão de hectares com mais de 5,9 mil focos de calor. Já no ano passado, a área queimada reduziu para 246,9 mil hectares com pouco mais de 1,1 mil focos de calor em seis municípios – Aquidauana, Corumbá, Ladário, Miranda, Porto Murtinho e Rio Verde de Mato Grosso. Os registros de incêndios florestais, atendidos pelo Corpo de Bombeiros, também caíram mais de 40%.
O levantamento foi divulgado pelo Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul), com informações do Sistema ALARMES de monitoramento do LASA (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais) do Departamento de Meteorologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O governo reconhece que, para que os focos de calor continuem sob controle, as ações devem ser permanentes, durante todo o ano. Um dos reforços anunciados neste ano é a aeronave Air Tractor, usada nas regiões de difícil acesso. O avião, que tem capacidade para transportar até três mil litros de água, foi entregue em fevereiro deste ano, no Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema. Em outubro, foi redirecionada para o Baixo Pantanal.
Semana passada, os focos de incêndio se espalharam e o fogo está consumido um quilômetro do Pantanal a cada hora, levando o governo de Mato Grosso do Sul e o governo do Mato Grosso a decretarem emergência.
O trabalho de combate aos incêndios está concentrado em três regiões onde o fogo atinge grandes proporções.
A atuação dos militares do Corpo de Bombeiros ocorre principalmente na região norte, próxima à divisa com Mato Grosso – conhecida como Pantanal do Paiaguás. Outra frente de trabalho está localizada na região do Passo do Lontra e o terceiro ponto, na região do Rio Negro.
A última medida adotada para evitar que o Pantanal se transforme em cinzas foi o acionamento de aeronaves para apoio logístico e aeronaves específicas de combate a incêndios florestais, como a Air Tractor adquirida pelo Governo do Estado. Aeronaves do GOA (Grupamento de Operações Aéreas), do Corpo de Bombeiros e do CGPA (Coordenadoria Geral de Policiamento Aéreo), da Polícia Militar, serão utilizadas para deslocamento das equipes para as áreas críticas.
O Centro de Proteção Ambiental do Corpo de Bombeiros, responsável pelo monitoramento de incêndios florestais em Mato Grosso do Sul e pela coordenação da Operação Pantanal 2023, informou que no último fim de semana houve um aumento das solicitações e necessidade de envio de mais guarnições de combate para a região pantaneira.