POR ALDEM BOURSCHEIT E AGÊNCIA 24H
Implementar a legislação florestal brasileira nos estados pantaneiros reforçará a conservação do bioma por meio de sua interligação com outras regiões do Brasil e até de países vizinhos. A iniciativa é encabeçada por governos, academia, ongs e setor privado.
Os corredores ecológicos ganharam farto espaço na lei do Pantanal de Mato Grosso do Sul, em vigor desde fevereiro. Na regulamentação, um decreto de março sugere que a posição de reservas legais e de licenças para desmates ajudem a compor essas “rodovias verdes”.
A Lei do Pantanal foi iniciativa do governador Eduardo Riedel (PSDB) que, em novembro do ano passado, encaminhou projeto de lei para discussão e aprovação pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Em menos de 20 dias, o projeto estava aprovado e sancionado pelo Executivo.
O texto foi construído em comum acordo pelo Executivo, legislativo, entidades diversas dos setores produtivos, além de Ministério Público e organizações não-governamentais de proteção ao meio ambiente. Foram ouvidos ainda o Ministério do Meio Ambiente, entre outros órgãos estaduais e federais.
“A legislação traz uma inovadora rede de corredores de biodiversidade, cuja vegetação nativa não poderá ser substituída por espécies exóticas”, diz Walfrido Tomás, doutor em Ecologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Embrapa Pantanal, em Corumbá.
Secretário-executivo de Meio Ambiente da Semadesc (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) Artur Falcette, explica que os corredores serão incorporados à avaliação de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), que servem à regularização ambiental de fazendas.
“Essa análise deixa de ser isolada para ajustar a posição das Reservas Legais junto a de propriedades vizinhas. É um ‘olhar de território’ para formar corredores em conjunto com as Áreas de Preservação Permanente (APPs)”, descreve. Essas áreas devem ser mantidas com vegetação em margens de rios e de nascentes e outras regiões sensíveis.
Os corredores pantaneiros foram projetados por cientistas de entidades brasileiras e internacionais. Inteligência Artificial ajudou a traçar as melhores rotas, sempre em faixas de ao menos 500m de largura. Isso facilitará o vai-e-vem de animais de grande a pequeno porte por áreas públicas e privadas.
Como a projeção abraça o Pantanal e porções de Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado na Bacia do Alto Rio Paraguai, além de parcelas no Paraguai e Bolívia, recuperar áreas degradadas não é uma carta fora do baralho. “Os corredores ajudarão a identificar áreas prioritárias para recomposição, sobretudo fora do Pantanal”, conta Walfrido Tomás.
Com grande maioria do território em fazendas e menos de 5% da área em unidades de conservação federais, estaduais e municipais, o Pantanal ainda é o bioma mais íntegro do país – com 85% conservados – graças ao cenário econômico focado na pecuária extensiva em pastagens nativas. Todavia, nascentes e o Cerrado estão muito degradados e desmatados.
Enquanto o desmatamento na Amazônia cai vertiginosamente desde o ano passado, a destruição do Cerrado bate repetitivos recordes e deve chegar a 12 mil km2 este ano, avalia o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), sobretudo entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Rota similar
Consultado por ((o))eco, Mato Grosso promete seguir Mato Grosso do Sul e estruturar uma legislação para o bioma, com corredores de biodiversidade. A normativa será parte do Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE), que deve ser concluído pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG) no segundo semestre.
“O corredor permite a definição das áreas de reserva legal, bem como das áreas que podem ser abertas com autorização. Além disso, consiste em um mapa referencial para o CAR e o licenciamento e inclui o direcionamento para as áreas que serão preservadas e/ou revegetadas”, diz a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso.
Cooperação
O primeiro passo foi dado no dia 3 de fevereiro e a Agência 24h acompanhou a iniciativa. Nunca gestores ambientais dos dois estados que detêm o território pantaneiro estiveram juntos para discutir os pontos comuns em relação ao bioma.
A secretária de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA-MT), Mauren Lazzaretti, sentou-se à mesa com o secretário Jaime Verruck, da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEMADESC). Pontos comuns de suma importância para a conservação do Pantanal. protegido o bioma está, com o arcabouço legal (federal e estadual), e com a forte consciência ambiental. É preciso, agora, conservá-lo.
Para MT e MS o alinhamento de estratégias é importante porque em relação aos recursos naturais não existem barreiras ambientais nem físicas. Trata-se de uma única planície alagada. Manejo integrado de fogo e a sustentabilidade, investigação da biodiversidade para desenvolver a ciência, única capaz de buscar respostas que levem à sua conservação, hoje e nas futuras gerações.
A reunião rendeu protocolo para um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) na área de CT&I para as pesquisas sobre manejo integrado de fogo e combate aos incêndios florestais, na prevenção e na ação e políticas conjuntas para o desenvolvimento econômico sustentável com foco no turismo de natureza. Além do ecoturismo, a pecuária extensiva.
Os dois Estados também selaram posição em relação ao julgamento no Supremo Tribunal Federal que trata do critério de Identidade Ecológica e impacta diretamente no Código Florestal. Jaime Verruck alerta que instituir critério da identidade ecológica para todos os mecanismos de compensação de Reserva Legal, “sem fazer uma devida modulação dos efeitos da decisão, pode trazer uma série de impactos na implementação do Código Florestal, uma década após sua regulamentação”.
Mas, a política estadual no Pantanal Norte dá sinais contrários à conservação pantaneira. Projetos aprovados ou tramitando na Assembleia Legislativa mato-grossense emperram a criação de unidades de conservação, permitem a realocação de Reservas Legais numa mesma fazenda para acomodar agropecuária e até a mineração nessas áreas protegidas.
“O ZSEE (Zoneamento Sócio Econômico Ecológico) de Mato Grosso não trabalha com mineração, tampouco estabelece reservas legais. Além disso, está proibida a mineração no Pantanal, conforme a Lei nº 8.830, de 21 de janeiro de 2008, que estabelece a Política de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Mato Grosso”, diz a Assessoria de Imprensa da Sema/MT.
“Pulo do gato”
Um avanço na proteção do Pantanal destacado pelas fontes ouvidas pela reportagem foi a criação do Fundo Clima Pantanal pelo Mato Grosso do Sul. Estimativas iniciais indicam que ele poderá reverter até R$ 50 milhões para implementar a lei estadual ainda este ano.
“Os corredores serão um dos fatores determinantes para o recebimento de recursos de fontes como pagamentos de serviços ambientais”, avalia o secretário-executivo Artur Falcette. Ele conversou com ((o))eco retornando da Bélgica, onde o governo do Estado busca mais fundos para proteger o bioma.
Consultor jurídico do Corredores de Vida, um dos 40 projetos no país para restauração e conectividade ambiental do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), Rafael Lofti avalia que o fundo de Mato Grosso do Sul foi um “pulo do gato” para resguardar o bioma.
“É um instrumento que integra economia e conservação e facilita a entrada de recursos nacionais e internacionais para dar escala a essas iniciativas. A biodiversidade é nossa maior riqueza”, destaca o advogado especializado em Gestão e Direito Ambiental.
Nessa seara, o Ministério do Planejamento autorizou o governo de MS a emprestar o equivalente a R$ 1 bilhão de bancos internacionais para investir em “resiliência climática e segurança viária” de rodovias e proteção do Pantanal. É mais uma iniciativa do governo do Estado voltado à conservação e uso sustentável do bioma após os recordes de desmatamento registrados nos últimos anos.
Conectar é preciso
Os corredores de biodiversidade reforçarão a proteção da biodiversidade, ajudarão a manter pantaneiros na região e reduzirão os riscos de novos grandes incêndios. Em reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente este mês, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, reconheceu que essas tragédias não estão descartadas.
“Esse ano tudo leva a crer que a gente vai ter uma repetição da crise. O Pantanal não encheu. Vamos ter que repensar uma série de situações. Tem o papel das mudanças climáticas, o papel de uma série de obras de infraestrutura que a gente precisa obviamente se sentar na mesa e, com muita transparência, discutir”.
Felizmente a lei brasileira abre alas aos corredores ecológicos. Eles são previstos na norma federal de parques e outras unidades de conservação, de 2000, para interligar mosaicos de reservas ecológicas e reforçar Reservas da Biosfera, reconhecidas pelas Nações Unidas para associar conservação e desenvolvimento sustentável.
“Aplicar efetivamente o código florestal de 2012 reforçará a conectividade das paisagens. Essa legislação trouxe o embrião para o regramento da conservação e do uso sustentável do Pantanal”, destaca Rafael Lofti, consultor jurídico do Ipê.
Uma das maiores iniciativas da entidade não-governamental é a recomposição da vegetação natural do Pontal do Paranapanema. No oeste de São Paulo e junto ao Mato Grosso do Sul e Paraná, a região foi duramente desmatada desde os anos 1950, pelo agronegócio e urbanização.
“A fragmentação é um grande vetor da extinção de espécies. Recuperar paisagens mantém o fluxo gênico de fauna e flora e preserva também atividades rurais que dependem dos ambientes conservados”, destaca Lofti. Mais de 7 milhões de árvores já foram plantadas pelo Ipê no Pontal.
Costura florestal
As leis dos estados pantaneiros estão finalmente regulando o uso da “área de uso restrito” do Pantanal, uma região que pode ser destruída se for alvo de atividades econômicas descoladas de seus limites naturais, como os ciclos anuais de cheias e vazantes.
Nessa direção, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul avançam na implantação da lei florestal em vigor há 12 anos, avalia Roberta Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal (OCF). “Faltam 7% das inscrições no CAR em ambos os estados, que têm baixo passivo de Reservas Legais e de Áreas de Preservação Permanente”, diz.
Ao mesmo tempo, ela avalia que certas regiões ainda são usadas “de forma mais intensa do que se deveria” e que outras medidas associadas aos corredores ecológicos reforçariam a proteção e a resiliência do Pantanal, como aumentar o território abrigado em unidades de conservação.“Sem conectividade, crescem custos e desafios para conservar. Esses esforços têm que ser públicos e privados. Tem que respeitar a legislação florestal, regularizar propriedades rurais e restaurar a vegetação nativa. Isso é uma solução para as crises do clima e da biodiversidade”, ressalta Giudice.