LARISSA ARRUDA, DE BRASÍLIA
O Congresso Nacional está com 21 projetos de lei contrários ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dos quais sete são de autoria ou coautoria dos deputados federais sul-mato-grossenses Rodolfo Nogueira (PL), Marcos Pollon, ambos do PL, e Dr. Luiz Ovando (PP), integrantes da chamada “Bancada do Agronegócio” na Câmara dos Deputados.
Do total de 21 propostas, 17 estão em tramitação na Câmara dos Deputados e quatro aguardam análise do Senado. As pautas anti-MST começaram a ganhar força dentro do Congresso desde o ano passado, quando parlamentares da bancada do agronegócio articularam um pacote de leis em resposta à atuação do movimento social, aliado histórico do PT.
Até o momento, dos sete projetos de lei de autoria ou de coautoria de parlamentares federais de Mato Grosso do Sul, apenas o do deputado federal Marcos Pollon foi aprovado até o momento pela Casa de Leis e proíbe invasores de propriedades rurais de receberem auxílios governamentais, como o Bolsa Família, e de ocuparem cargos públicos.
A iniciativa, promovida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), responde às invasões conhecidas como “Abril Vermelho”, organizadas pelo MST. Pollon, líder do movimento Pró-Armas e aliado da família Bolsonaro, defende que o projeto é essencial para proteger a propriedade privada.
O projeto sofreu modificações importantes no plenário da Câmara dos Deputados. Designado relator, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) endureceu as sanções, que agora se aplicam a qualquer participante identificado nas invasões, direta ou indiretamente.
A lei impede que essas pessoas firmem contratos com o governo, participem de concursos públicos ou ocupem cargos comissionados por oito anos após deixarem as propriedades invadidas. Além disso, invasores não poderão receber benefícios do Governo federal pelo mesmo período, exceto o Bolsa Família, que será suspenso apenas enquanto durarem as invasões.
A iniciativa, promovida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), responde às invasões conhecidas como “Abril Vermelho”, organizadas pelo MST
O projeto também exclui os invasores do Programa Nacional de Reforma Agrária e proíbe repasses públicos a movimentos sem CNPJ. A proposta enfrenta críticas severas da oposição, que a considera inconstitucional e prejudicial aos direitos sociais.
O presidente da Casa de Leis, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), defendeu a medida como uma garantia da propriedade privada produtiva, indicando que, caso aprovada, a lei terá efeitos significativos sobre aqueles que invadirem propriedades produtivas. A aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) foi conduzida pelo deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente.
A aprovação no plenário reflete a forte influência da bancada ruralista e o alinhamento com políticas de segurança pública e agrária defendidas por setores conservadores do Congresso. O projeto agora segue para análise no Senado, onde deverá enfrentar novos debates antes de uma possível sanção presidencial.
Outros projetos
Já outros cinco são de autoria ou coautoria do deputado federal Rodolfo Nogueira, um deles sobre o cadastro e delegacias especializadas contra invasões de terras, que propõe criar programas específicos que miram a atuação do MST, como um cadastro de invasores de terras, e instalar delegacias especializadas em combater as invasões de terras.
Projeto também exclui os invasores do Programa Nacional de Reforma Agrária e proíbe repasses públicos a movimentos sem CNPJ
Outro é sobre a reintegração das propriedades invadidas, que autoriza o uso de força policial quando uma fazenda é tomada, independentemente de ter uma decisão judicial, contanto que o faça logo e que os atos de defesa ou desforço não ultrapassem o indispensável à manutenção ou restituição de posse.
Ele também é autor do esbulho possessório, que tem seis projetos de lei com o mesmo objetivo, ou seja, aumentar penas para o crime de esbulho possessório, que consiste na invasão de propriedade praticada com violência ou ameaça. Também tentam impedir que esses terrenos sejam destinados à reforma agrária.
O deputado federal sul-mato-grossense ainda é coautor do projeto de lei que trata sobre obrigação de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), ou seja, obriga que movimentos sociais de destaque e organizados em mais de três estados, no caso o MST, tenha o cadastro para receber recursos públicos. Eles passariam a ser enquadrados como entidades do terceiro setor.
O último projeto de lei em que Rodolfo Nogueira é o autor cria um cadastro nacional para reunir informações de pessoas envolvidas em invasões de propriedades públicas ou privadas. Conforme o projeto, o Cadastro de Invasores de Propriedades (CIP) deverá conter os seguintes dados dos invasores: nome completo; cadastro de pessoa física (CPF) e identidade (RG); foto; data e local da invasão; descrição detalhada da propriedade invadida; endereço completo; e naturalidade.
O registro das informações no CIP será feito pelas autoridades de segurança pública que atuarem na ocorrência. “A criação do CIP tem o objetivo primordial de preservar a ordem pública, proteger os direitos de propriedade e garantir a responsabilização daqueles que se envolvem em invasões de propriedades”, declarou o autor da proposta.
“A identificação precisa dos invasores é fundamental para a aplicação eficaz da lei e a prevenção de reincidência nesse tipo de atividade ilegal”, acrescentou, revelando que a proposta será analisada, em caráter conclusivo, pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
“A identificação precisa dos invasores é fundamental para a aplicação eficaz da lei e a prevenção de reincidência nesse tipo de atividade ilegal” — Deputado federal Rodolfo Nogueira
Mais um
O deputado federal Dr. Luiz Ovando é coautor do Projeto de Lei nº 3.763/23, que institui delegacias específicas para atuar em conflitos agrários. Elas deverão atuar na repressão e exercer a atividade de polícia judiciária em casos de crimes patrimoniais, violência ou grave ameaça no campo.
O texto em análise na Câmara dos Deputados define o conflito agrário como as divergências entre pessoas físicas ou jurídicas, detentoras de imóveis e trabalhadores rurais sem terra.
O projeto permite ainda que os estados usem recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para criar essas delegacias especializadas. A Lei 14.541/23 traz determinação semelhante no caso das delegacias da mulher.
Conforme o coautor, os conflitos agrários têm aumentado, e a falta dessas delegacias especializadas favorece a impunidade de organizações criminosas. O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O deputado federal Dr. Luiz Ovando é coautor do Projeto de Lei nº 3.763/23, que institui delegacias específicas para atuar em conflitos agrários
Entenda
A investida, que deu origem à Frente Parlamentar Invasão Zero, começou em 2023, após o término da Comissão Parlamentar de Inquérito do MST. Na ocasião, o colegiado, que era presidido pelo deputado federal Tenente-Coronel Zucco (PL-RS), encerrou os trabalhos sem que o relatório do deputado e ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP) fosse votado.
Zucco uniu-se ao presidente da Frente Parlamentar Agropecuário (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), para dar fôlego à iniciativa. Em dezembro, o grupo já tinha articulado a aprovação da chamada “emenda patriota” no Orçamento de 2024, posteriormente vetada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Proposta pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a medida tinha o intuito de proibir a destinação de recursos federais para “atividades de invasão” em propriedades rurais. A estratégia para emplacar o pacote ganhou reforço com a posse da deputada federal bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC) na presidência da Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJ) em março.
Colegiado mais importante e no qual tramitam todas as propostas da Casa, a CCJ tem pautado desde então uma série de projetos anti-MST. Ao criticar a aprovação do texto que barra o acesso a benefícios e auxílios do governo federal a condenados por invasão de propriedade rural, o movimento destacou o papel da articulação Invasão Zero, frente composta por parlamentares que chamou de “reacionários, latifundiários e armamentistas”.
Colegiado mais importante e no qual tramitam todas as propostas da Casa, a CCJ tem pautado desde então uma série de projetos anti-MST
“São de parlamentares bolsonaristas a autoria e relatoria do PL, a presidência da Comissão de Constituição e Justiça por onde ele foi aprovado, além dos principais articuladores da proposta”, diz trecho do posicionamento do MST, que cita tentativa de criminalização de movimentos que buscam “democratização da terra”.
Para Zucco, o projeto é um passo importante na “defesa do direito de propriedade” e garante segurança jurídica do campo. “O projeto quebra a espinha dorsal do MST naquilo que eles têm de pior: a utilização de pessoas humildes como massa de manobra. Demos um”, argumentou.
Além do PL que já foi aprovado em plenário, foram apreciados na comissão textos como o que estabelece sanções administrativas para os invasores e o que possibilita o uso da força policial independentemente de ordem judicial na retirada de invasores de propriedade privada, “contanto que o faça logo e que os atos de defesa ou desforço não ultrapassem o indispensável à manutenção ou restituição da posse”, diz a proposta que está sob a relatoria de Victor Linhalis (Podemos-ES).
Ainda serão analisadas outras quatro propostas que preveem, entre outros pontos, o aumento de penas de detenção para o crime de esbulho possessório, que consiste na invasão de propriedade praticada com violência ou ameaça, e obrigação para que movimentos sociais tenham CNPJ para receber recursos públicos.
Desde a criação, o MST refuta ter um CNPJ sob o argumento de que é um movimento social e não precisa de um registro jurídico para lutar por reforma agrária. Por isso, recebe recursos financeiros por associações ou cooperativas. A oposição, contudo, diz que é uma maneira de não ter que arcar com decisões judiciais.
Desde a criação, o MST refuta ter um CNPJ sob o argumento de que é um movimento social e não precisa de um registro jurídico para lutar por reforma agrária
Já o Senado soma ao menos quatro projetos anti-MST. Um deles é de autoria do senador Marcos Rogério (PL-RO) e busca caracterizar a “invasão de terra” com intuito de “provocar terror social generalizado” como ato de terrorismo.
Ricardo Salles indicou prioridades do grupo: “o próximo passo é construir a maioria para ter votos no Senado e, ao mesmo tempo, voltar tudo que diz respeito à insegurança jurídica, e que envolve a questão indígena e quilombola, como o Marco Temporal e o direito à legítima defesa”.