Por Antonio Carlos Teixeira, especial para o MS em Brasília
O Brasil está às portas de enfrentar caos econômico e social por causa da pandemia da Covid-19. Diante disso, presidente da República, governadores e prefeitos terão que ajustar as contas públicas para não faltar ao menos o básico na mesa de milhões de brasileiros: comida.
Enquanto grande parte da população está aflita com o que virá depois de superada essa doença, uma parcela privilegiada de membros do Judiciário segue com a vida financeira mais do que estável. E que não deverá ser afetada tão cedo pela crise sanitária por ter orçamento próprio, cuja autonomia permite realizar gastos de acordo com suas conveniências.
Levantamento inédito feito pelo MS em Brasília nos 27 tribunais de Justiça revela que, em abril — em plena pandemia do coronavírus – 97,5% dos 1.383 desembargadores receberam entre R$ 40 mil e R$ 106 mil (brutos, sem descontos da Previdência e do Imposto de Renda), valores acima do teto constitucional, de R$ 39.293,32.
Os tribunais de Minas Gerais e de Santa Catarina, com 138 e 92 desembargadores, respectivamente, foram os únicos que ainda não divulgaram a remuneração detalhada, referente a abril, conforme determina a legislação. Com esses dois Estados, o número de desembargadores alcança 1.613.
O MS em Brasília enfrentou muitas dificuldades para realizar o levantamento. A maioria dos sites dos tribunais é inacessível ao cidadão comum. É preciso tempo, paciência e habilidade para extrair informações sobre o salário dos magistrados.
Os melhores sites, pela ordem, são os dos TJs de São Paulo, Piauí e Rondônia; os piores do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amapá, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.
Salário: R$ 106 mil
Em abril, 15 Estados pagaram remuneração acima do teto a todos os desembargadores. São eles: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rondônia e Sergipe.
Rio Grande do Sul, Pará e Goiás foram os tribunais que apresentaram menos distorções, embora a maioria dos desembargadores tenha recebido rendimentos superiores a R$ 39.293,32.
Ao analisar a folha de pagamento de centenas de desembargadores, o MS em Brasília identificou a maioria deles ganhando, em plena pandemia, R$ 60 mil, R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil e até R$ 106 mil, o que foi o caso de Oudivanil de Marins, do TJ de Rondônia. Metade dos seus 21 colegas recebeu acima de R$ 70 mil em abril, cinco deles na faixa de R$ 90 mil.
O contracheque de magistrado é irrigado por dinheiro de duas rubricas, em especial: “indenizações” e “vantagens eventuais”, de onde sai sempre um outro salário inteiro, dobrando o valor da remuneração.
Todos os desembargadores recebem esse “incentivo” mês sim, mês não. E o melhor: sem desconto do Imposto de Renda, revelando o caráter acintoso e ilegal desse “jeitinho” dos tribunais de distribuir recursos provenientes dos surrados cofres dos Estados.
Pobre, mas bondoso
O levantamento mostra ainda que os Tribunais de Justiça dos Estados mais pobres e com os menores Índice de Desenvolvimento Humano são responsáveis pelos contracheques mais gordos entre os desembargadores de todo o país.
É o caso do TJ do Piauí, um dos menores Produto Interno Bruto por habitante do Brasil. Em abril, o salário dos 20 desembargadores girou em torno de R$ 66 mil a R$ 79 mil.
Os dos tribunais baiano e alagoano também não têm do que reclamar. A maioria dos 60 e 15 membros do judiciário estadual, respectivamente, teve em abril remuneração acima de R$ 50 mil, graças às “vantagens eventuais”.
O Tribunal de Justiça do Amazonas, outro Estado com alto índice de pobreza, depositou bolada na conta de cada um dos 26 desembargadores, cujos valores variaram de R$ 65 mil a R$ 80 mil.
Maranhão, outro entre as federações mais pobres, retribui bem pelo trabalho dos seus desembargadores. A remuneração dos 30 magistrados do Tribunal de Justiça em abril atingiu a R$ 85 mil.
Tribunais superiores
O Supremo Tribunal Federal, cuja remuneração dos seus membros serve de parâmetro para definir o salário do funcionalismo público, teve oito dos seus 11 ministros recebendo acima de R$ 39.293,32 em abril.
Mantiveram remuneração até o limite os ministros Alexandre de Moraes Edson Fachin e Dias Toffoli. Os demais receberam, em média, R$ 45 mil, valor relativamente “baixo” na comparação com os ganhos de desembargadores.
No Superior Tribunal de Justiça, o teto constitucional só foi respeitado por quatro dos 34 ministros. O salário médio girou em torno de R$ 44 mil, também inferior às remunerações dos magistrados dos tribunais estaduais.
Saiba mais
¨¨ O Brasil tem 1.613 desembargadores, magistrados que ocupam topo máximo nos tribunais inferiores
¨¨ São Paulo é o Estado com maior número de desembargadores, 360; Amapá o menor, 9.
¨¨ A maior remuneração (bruta, sem desconto) de um desembargador em abril foi do Tribunal de Justiça de Rondônia, R$ 106 mil
¨¨ No país, nem um servidor público, incluindo presidente da República e ministros de Estado, pode receber mais que R$ 39.293,32 por mês
¨¨ A remuneração de um desembargador é recheada com dinheiro de duas rubricas: “indenizações” e “vantagens eventuais”
¨¨ O site de melhor navegação para localizar dados do pagamento detalhado da folha salarial de magistrados e servidores é o do TJ de São Paulo
¨¨ Os piores sites são os dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Amapá
¨¨ Levantamento do site MS em Brasília levou três dias para ser feito e alcançar todos os 27 Tribunais de Justiça dos Estados