EMANUEL ALMEIDA, DE CAMPO GRANDE
A eleição para vereador em Campo Grande registrou dados históricos e que possivelmente não deverão se repetir nos próximos anos, pelo menos nas mesmas proporções. Partidos como PL, União Brasil, PP e PSDB distribuíram altas quantias aos candidatos a prefeito e a vereador na capital.
Há casos de candidato que torrou R$ 400 mil do fundo eleitoral e não foi eleito e de outro que gastou menos de R$ 2 mil em toda a campanha e garantiu uma das 29 cadeiras na Câmara de Campo Grande.
O levantamento do MS em Brasília toma como base somente os repasses do fundo eleitoral, abastecido a cada eleição com dinheiro público. Não constam, por exemplo, doações do próprio candidato a sua campanha e de terceiros, além de recursos de financiamento coletivo. Também destaca candidatos de maior visibilidade ou já conhecidos.
De acordo com o levantamento, os maiores gastos entre os 493 candidatos a vereador na capital foram feitos pelo ex-deputado federal Loester Trutis (PL), o “vereador do Bolsonaro”. Ele recebeu R$ 400 mil do fundo eleitoral, mas teve somente 704 votos ao custo de R$ 568 cada, certamente entre os mais caros do país.
Os maiores gastos entre os 593 candidatos a vereador na capital foram feitos pelo ex-deputado federal Loester Trutis, o “vereador do Bolsonaro”
Já as menores despesas foram do vereador eleito Wilton Celeste Candelório, o Leinha (Avante). Ele gastou somente R$ 1.520, doados pela prefeita Adriane Lopes (PP), único valor que consta na prestação de contas do candidato no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cada um dos 3.167 votos saiu por incríveis R$ 0,47.
Se for interpretar literalmente o critério adotado pelo MS em Brasília sobre uso de recursos públicos na campanha, cada voto recebido por Leinha teve custo zero, já que o único repasse recebido foi de terceiros, no caso Adriane Lopes, o que torna ainda mais impressionante o resultado conquistado pelo vereador eleito.
Ex-assessora da prefeita Adriane Lopes (PP), Juliana Gaioso (PP) recebeu R$ 200 mil do fundão, mas teve apenas 562 votos, média de R$ 355,87 por eleitor conquistado. Ao mesmo tempo, o também ex-assessor da prefeitura Maicon Nogueira (PP) teve repasses de R$ 140 mil do fundão e foi eleito com 4.236 votos, média de R$ 33.
Outra que teve gasto médio elevado por voto recebido foi a tucana e ex-vereadora Grazielle Machado, filha do deputado estadual Londres Machado (PP). Ela recebeu a maior bolada entre todos os candidatos do PSDB: R$ 450 mil. Teve 1.887 votos, média de R$ 238 por eleitor. Maria Helena Bonotto (PP), que recebeu repasses de R$ 140 mil em dinheiro público, gastou, em média, R$ 168,67 por voto recebido, no total de 830.
Outros candidatos derrotados, mas com gastos elevados por voto foram a Delegada Sidneia Tobias, ao custo médio de R$ 109 por eleitor, cujos repasses do Republicanos somaram R$ 83.500,00; a Sargento Betânia (PP), com R$ 113 por voto recebido; o veterano Maurício Picarelli (União) com R$ 89,31; Valdir Gomes (PP), R$ 82,23 por voto, e o ex-juiz Odilon de Oliveira, que recebeu R$ 100 mil do PP, teve 2.435 votos, média de R$ 41 por eleitor.
Eleitos e baratos
Em contraste com os altos valores gastos por voto, estão candidatos eleitos e os que chegaram perto. É o caso de Neto Santos (Republicanos), que recebeu R$ 85 mil do fundão e gastou apenas R$ 18,57 por voto recebido, no total de 4.576. Outro eleito, Herculano Borges (Republicanos), registrou repasses de R$ 55 mil do fundo eleitoral, com custo médio de voto a R$ 13,35.
Ao ex-deputado estadual Rafael Tavares, o PL destinou R$ 200 mil, suficientes para ser eleito com 8.128 votos, o segundo mais bem votado, atrás apenas do ex-prefeito Marquinhos Trad (PDT), com 8.567 votos. Cada voto recebido por Tavares custou R$ 24,60.
Apesar de não terem sido eleitos, alguns candidatos tiveram boas votações com poucos recursos. A emedebista Thaisa Lucena recebeu 786 votos com apenas R$ 10 mil repassados pelo MDB, média de R$ 12,72 por voto recebido. Ela teve 82 votos a mais que Trutis, por exemplo, que recebeu o maior valor do fundão no PL: R$ 400 mil.
Duas candidatas que sofreram represálias do PL em Campo Grande deixaram as eleições de “almas lavadas”. Cassy Monteiro teve 2.012 votos, média de R$ 14,91 por eleitor. Ela recebeu R$ 30 mil, valor 13 vezes menor que o destinado pela legenda à Ana Portela, filha do presidente do diretório municipal, eleita com 4.577 votos, e que recebeu R$ 400 mil do pai.
A outra é a militante bolsonarista Vivi Tobias, que gastou R$ 23,37 por eleitor que confiou nas suas propostas, atingindo votação de 1.711 votos. A candidata chegou a questionar a falta de critério do PL na distribuição de recursos do fundão (ver aqui). Vivi recebeu R$ 40 mil do partido.
Duas candidatas que sofreram represálias do PL em Campo Grande deixaram as eleições de “almas lavadas”
Privilégio interminável
Desde que passou a usar o nome de Jair Bolsonaro para se promover politicamente, em 2018, o ex-deputado Loester Carlos Gomes de Souza, o Tio Trutis, tem sido privilegiado pela cúpula do PL em Mato Grosso do Sul. Em 2022, por exemplo, ele recebeu R$ 1 milhão do fundo eleitoral e também não foi eleito — valor até quatro vezes superior ao de outros candidatos da agremiação.
A mulher dele, Raquelle Lisboa Alves de Souza, que perdeu a eleição para deputada estadual, também foi aquinhoada com a espetacular quantia de R$ 1 milhão, valor mais de três vezes maior que o repassado aos deputados eleitos pelo partido, Coronel David, João Henrique Catan e Neno Razuk.
Na época, o presidente da agremiação em Mato Grosso do Sul era o então candidato a deputado federal Rodolfo Nogueira, que não explicou os critérios para distribuição dos recursos do fundo eleitoral.
Em 2022, por exemplo, Trutis recebeu R$ 1 milhão do fundo eleitoral e também não foi eleito
Em 2024, o privilégio foi dado pelo presidente do diretório em Campo Grande, Tenente Portela, suplente da senadora Tereza Cristina (PP). Trutis embolsou R$ 400 mil. Com esse dinheiro, pode ter feito tudo, ou nada também. Pouco se viu de propaganda política do candidato, a não ser vídeos caseiros e publicações pagas em sites e jornais da cidade nos últimos dias de campanha.
Loester Trutis tem extensa ficha de irregularidades e problemas com a Justiça. É réu em dois processos atualmente: acusado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal de forjar o próprio atentado em fevereiro de 2020 e por posse ilegal de armas e munições.
O ex-deputado já foi condenado em dois outros processos: dívida com locadora de veículo, cujo valor ele recebeu da Câmara dos Deputados por meio da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar e não repassou ao prestador de serviço (ver aqui), e por danos morais contra o delegado de Polícia Federal Glauber Fonseca de Carvalho Araújo, que investigou o suposto atentado.