CAMPO GRANDE
Um grupo de pescadores de Campo Grande registrou, no fim de semana passado, momentos de aflição sobre uma das maiores secas no Pantanal Sul-Mato-Grossense, aliadas às queimadas que devastaram parte do bioma em 2024.
Entre sábado e segunda-feira (21), eles percorreram de barco cerca de 80 quilômetros no Rio Paraguai, entre Porto Esperança, a 10 km da BR-262, e uma fazenda perto de Forte Coimbra, no Pantanal do Nabileque.
A Piracema, que é o período de reprodução dos peixes, começa no próximo dia 5 e termina em 28 de fevereiro de 2025. Durante esse tempo, a pesca amadora e profissional está proibida. A atividade é permitida apenas para subsistência dos ribeirinhos, desembarcada, de forma artesanal e sem fins comerciais.
A Piracema, que é o período de reprodução dos peixes, começa no próximo dia 5 e termina em 28 de fevereiro de 2025.
“Estou aqui há 36 anos e não me lembro de seca tão grande, que chegou junto com as queimadas”, diz o pescador e piloteiro de barco Milton Ferreira de Moraes, o “Caveira”, 56 anos, dos quais 36 anos vividos na região.
Em diversos trechos do rio, especialmente em áreas planas, a característica principal do relevo pantaneiro, as margens chegaram a recuar 300 metros, deixando a marca das águas em barracos, em grandes extensões de areia, ou em árvores (ver vídeo).
“Isso aqui era tudo cheio de água”, observa o caseiro Ademir Fagundes, o “Magrinho, 45 anos, nascido em Miranda e criado na região.
O nível do Paraguai está tão baixo em relação à média histórica que é possível atravessar a pé de uma margem à outra. Pode-se também caminhar por longos trechos de areia, onde só havia água, observando animais mais de perto, como jacarés, lontras e aves, que tiram o seu alimento do rio.
Os turistas, por exemplo, flagraram um cervo-do-pantanal cruzando o até então caudaloso rio sem o mínimo esforço, caminhando (ver vídeo).
Em outros pontos, é preciso ter cuidado para que o barco não colida com bancos de areia. “Isso é muito perigoso. Quem não conhece o rio pode sofrer acidente sério se pegar essa areia acumulada no meio”, alerta o piloteiro Milton Moraes. Foi preciso ainda parar diversas vezes para empurrar o barco, preso em bancos de areia.
Durante o trajeto de 80 km, foram avistadas três chatas para transporte de minério, encalhadas. Uma delas teve que ser empurrada por um navio, cuja viagem de 120 km até Corumbá dura, em média, 24 horas.
Críticas à ministra
Embora as queimadas e a seca tenham causado sérios danos à região, a fauna e flora pantaneiras começam a se recuperar dos últimos fenômenos climáticos (ver vídeo), não sem antes ouvir desabafos dos pantaneiros, irritados com declarações de que o fogo tenha sido motivado pelas mãos do homem da região.
“Isso é um absurdo. Quem faria uma coisa? Aqui nós sofremos com as queimadas e ajudamos a combater o fogo”, argumenta Ademir. “Além dos animais e da vegetação, nós tivemos preocupação com a nossa segurança e a da nossa família”.
Os pantaneiros dizem que, qualquer objeto pode gerar incêndio, como um pedaço de vidro, ou metal. Eles não pouparam a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
“Ela (Marina Silva) que não abra a boca aqui perto da gente, que a coisa engrossa. Nós cuidamos dessa região como se fosse nossa. Ela está lá no ar-condicionado, no bem-bom, e vem aqui de helicóptero. Desce aqui para conversar com os pantaneiros, que ela ouvirá o que não quer”, desafia Milton Moraes.
Contemplação e sossego
O advogado Alcides Ney Gomes, de Campo Grande, está sempre na região para, segundo ele, relaxar e esquecer os problemas. “Só consigo me desligar do trabalho pescando. Na verdade, a gente faz tudo, menos pescar. Mas é uma desculpa boa para voltarmos às atividades com a bateria recarregada”, diz.
Gomes concorda com a visão dos pantaneiros sobre as responsabilidades pelas queimadas no Pantanal, especialmente. “Se há alguém que cuida dessas áreas, é o pantaneiro. Vejo o cuidado dos donos de fazenda, onde tudo é sustentável. Só faz essas acusações quem não conhece a rotina no Pantanal”, pondera.
Em diversos momentos, o piloteiro Milton e o caseiro Ademir fizeram questão de parar o barco para mostrar algumas situações no Rio Paraguai. “Olha isso aqui! Em épocas normais, a água chega até lá na frente”, explicam, apontando em direção a diversos pontos para mostrar o quanto as margens recuaram com a seca, em até 300 metros (ver vídeo).
Prova maior está na fazenda onde os turistas ficaram hospedados, de frente para o Rio Paraguai. Em períodos normais, havia corixo perto da porta da sede (ver vídeo). Mas, com a seca deste ano, a água secou, o que obriga turistas e funcionários irem a pé para o rio e de lá pegar o barco.
“Uma coisa está aliada à outra. Se você vai pescar, é certo que registrará imagens impressionantes. Se vai dar uma volta apenas para apreciar a natureza, da mesma forma. Ninguém sai daqui sem belas imagens”, acrescenta o jornalista Antonio Carlos Teixeira, que pratica o pesque e solte com os companheiros de pescaria (ver vídeo do piloteiro soltando exemplar de pintado).
“Nós devolvemos ao rio grande parte dos peixes que pegamos. Levamos apenas alguns exemplares para comer durante o tempo em que ficamos no Pantanal. A gente vê o quanto os pantaneiros são apaixonados por essa região. Eles mesmos têm, de cabeça, tamanho mínimo e máximo de cada espécie para não predar peixe fora de medida”, conclui.