EDITORIAL
Nas democracias mais consolidadas e austeras, como a norte-americana, o marco de “100 dias de governo” serve para duas coisas: para que o agente público avalie a própria conduta político-administrativa e para que a sociedade vislumbre as linhas da nova gestão.
No Brasil, passou a ser utilizado como peça de marketing. Faz-se barulho por nada, maquiando ações, dados e números. Um coquetel de banalidades e medidas ineficazes. Nesse período, os marqueteiros trabalham mais que dirigentes e técnicos da gestão.
Poucos vão se lembrar, mas o governador Eduardo Riedel (PSDB) aboliu o marco sobre os “Primeiros 100 dias de governo”. Em abril de 2023, ao invés de divulgar essa estratégia batida e ineficaz, o tucano anunciou compromissos com a população, como mais investimentos em saúde e infraestrutura, redução da carga tributária e políticas sociais (ver aqui).
“Uma ideia antiga, superada e simplista. Todo mundo sabe que é impossível resolver problemas estruturais em apenas três meses de governo”, explicou o governador, na ocasião.
Poucos vão se lembrar, mas o governador Eduardo Riedel (PSDB) aboliu o marco sobre os “Primeiros 100 dias de governo”
Além de ter feito campanha em alto nível em 2022, o que exigiu que seus adversários revissem seus programas de governo e até mesmo se preparado melhor, Riedel levou para o seu mandato ideias que pregou durante a campanha eleitoral, tal qual como prometeu.
A prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes, logo nos primeiros dias do seu segundo mandato, teve momento de lucidez. Anunciou que adotaria o chamado “Contrato de Gestão” (ver aqui), coincidentemente criado por Riedel quando foi secretário de Reinaldo Azambuja (2015-2022). Fez bem porque não há impedimento de se copiar medidas que vão dar resultados, ou que caminhem na direção certa.
Percebe-se, contudo, que há disposição de a prefeita manter a lorota sobre balanço dos “Primeiros 100 dias”. Corre-se o risco de expor sua gestão, porque os fatos negativos podem ser mais ressaltados e lembrados que os positivos.
Em três meses não se conquistam resultados positivos em nenhuma área, por menor que seja. Há apenas uma linha imaginada, um plano para ser alcançado ao longo de quatro anos.
Corre-se o risco de expor sua gestão, porque os fatos negativos podem ser mais ressaltados e lembrados que os positivos
Se insistir, Adriane Lopes terá mais explicações a dar do que glórias a divulgar e a colher. O mandato dela começou com aumento de salários nos poderes Executivo e Legislativo municipais.
Por mais que a medida não tenha partido dela, há desgaste com o eleitor. Depois veio o aumento da tarifa de ônibus, um dos serviços mais criticados pelos campo-grandenses.
Como se esses dois fatos fossem poucos, descobriu-se que a Prefeitura mandou reduzir os serviços com limpeza urbana e conservação de ruas e locais públicos porque, ao que parece, não há recursos suficientes para fazer frente a essas despesas, necessárias para que a cidade seja minimamente habitável.
Houve ainda calote no pagamento de R$ 45 milhões em precatórios judiciais, grande parte de natureza alimentar, os quais deveriam ter sido honrados até 31 de dezembro do ano passado.
Há que se entender que o mundo, especialmente o Brasil, Mato Grosso do Sul e Campo Grande, está todo ligado, instantaneamente, às ações dos agentes públicos.
Não há mais marketing eficiente que consiga esconder as verdades. Tome-se como base as últimas medidas e intenções do Governo federal, que foi obrigado a recuar em diversas delas porque quis mentir, enrolar a população. Elas não colaram.
Há que se entender que o mundo, especialmente o Brasil, Mato Grosso do Sul e Campo Grande, está todo ligado, instantaneamente, às ações dos agentes públicos
Se tais gestões insistem em medidas superficiais a fim de enganar a população, as redes sociais vão lá e desmentem. O cidadão tem a sua própria ferramenta para desconstruir narrativas — ainda mais quando elas estão afetas ao seu grupo de convívio, como eventuais melhorias no seu bairro e falhas na prestação de serviços em saúde, educação e assistência social, por exemplo.
É recomendável que a prefeita baixe seu trem de pouso, recolha-se ao trabalho com suas equipes de secretários, aconselhe-se com a madrinha Tereza Cristina (PP) e gaste esses três meses com ações efetivas, que mostrem resultados para — quem sabe — divulgar depois de 180 dias.
A estratégia de explorar “100 dias de governo” devia ser engavetada por gestor ligado à realidade, sob pena de gerar um belo tiro no pé, no caso de Campo Grande, transmitido em tempo real a 900 mil habitantes. O foguetório pode estourar em lugar errado e estragar a festa. Cabum!