CAMPO GRANDE
Em um discurso televisionado à noite em 8 de agosto de 1974, o presidente Richard M. Nixon anuncia sua intenção de se tornar o primeiro presidente na história americana a renunciar. Com um processo de impeachment em andamento contra ele por seu envolvimento no caso Watergate, Nixon estava finalmente se curvando à pressão do público e do Congresso para deixar a Casa Branca.
“Ao tomar esta ação” – disse Nixon, em um discurso solene do Salão Oval – “espero ter acelerado o início do processo de cura que é tão desesperadamente necessário na América.”
O trecho acima, do canal History, revela que renúncia é sempre um processo traumático. Seja porque o personagem não conseguiu contornar problemas graves, seja para escapar de impeachment, como ocorreu com Nixon, nos Estados Unidos. Tanto lá quanto cá, a renúncia não é bem-aceita, a menos que o momento exija tamanho sacrifício, como ocorreu com Jânio Quadros em 1961. Renuncia-se por razões inexplicáveis.
A renúncia do prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), é cercada de mistérios. Por que essa obsessão de disputar o Governo do Estado, talvez na eleição mais difícil desde a criação de Mato Grosso do Sul? Ao tomar essa decisão, Trad está, na verdade, livrando-se de problema que ele mesmo causou, de seguir administrando o caos na Capital.
Desde sua posse para o primeiro mandato, em janeiro de 2017, Marquinhos encarnou espírito “realizador de obras”, área para onde canalizou a maior parte dos recursos recebidos do Estado e da União. Durante cinco anos, contudo, ignorou projetos e obras de infraestrutura para a periferia, prejudicando o progresso de regiões que esperam há anos por melhorias, como asfalto, esgoto, água tratada e luz. Sob Trad, o tempo parou para essas comunidades.
Deixará para sua sucessora, Adriane Lopes (Patriota), a bucha de gerir uma cidade com 900 mil habitantes, quase uma metrópole, cujas receitas estão praticamente comprometidas com despesas obrigatórias, ou seja, que não podem ser reduzidas. A vice, até onde se sabe, nunca administrou nada. Pegará uma cidade cheia de obras intermináveis, com ruas fechadas, o centro nevrálgico esvaziado, comerciantes em polvorosa.
Em janeiro deste ano, o prefeito sinalizou à população que o município não dispunha de dinheiro para concluir as dezenas de obras iniciadas. Trad mandou dois secretários pedir socorro ao Governo do Estado. Ao secretário de Infraestrutura, Eduardo Riedel (PSDB), solicitou R$ 62 milhões.
Em dezembro, em entrevista ao Grupo Feitosa de Comunicação, Marquinhos despejou uma série de mentiras, as quais a mídia tem o dever de comunicar à sociedade. Primeiro, disse que não é apegado ao poder. Mentira! Tanto é que disputou a reeleição como prefeito, sabendo que renunciaria ao cargo apenas um ano e três meses depois.
Marquinhos não só viveu da política, como foi funcionário fantasma da Assembleia Legislativa de MS em 1986
Perguntado se tinha certeza sobre a renúncia, respondeu: “Tenho a absoluta tranquilidade: primeiro, só não toma estas decisões aqueles que são apegados ao poder. Eu nunca vivi na política”.
A ultima frase – eu nunca vivi da política – revela a excrescência da personalidade de Marquinhos Trad. Não só viveu da política, como foi funcionário fantasma da Assembleia Legislativa em 1986, segundo denúncia do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Contas do Estado.
Recebia salário em Mato Grosso do Sul, enquanto fazia faculdade no Rio de Janeiro. Nesse momento não só vivia da política, como escarrava na cara da população sul-mato-grossense, nomeado no gabinete do seu pai, Nelson Trad, então deputado estadual.
Não é só. Marquinhos Trad tem dito que não anda de mãos dadas com corruptos. Alto lá! Além de ter em casa o irmão Nelsinho Trad, mergulhado em processos por improbidade administrativa, é primo de Luiz Henrique Mandetta, que também responde a processo por desvio de recursos públicos da sáude. E para completar, neste sábado, o prefeito estará aos abraços com Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, partido dos irmãos Trad.
Kassab foi ministro do governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Mais que se misturar com a esquerda, responde a vários processos judiciais. No site Jusbrasil, o nome do dirigente do PSD é citado em 176 processos, a maioria por improbidade administrativa e ação popular.
A Justiça Eleitoral de São Paulo o investiga desde 2021 por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, caixa 2 eleitoral e associação criminosa. De acordo com a acusação, entre janeiro de 2014 e dezembro de 2016, Kassab teria recebido R$ 16 milhões indevidamente do frigorífico JBS em razão de sua função de ministro.
Que o eleitor não deixe de observar bem o comportamento de quem diz uma coisa e faz outra. Neste sábado, Marquinhos estará ladeado de políticos investigados por corrupção, mas tratará o fato com a mesma aleivosia com que lida com seu afastamento da prefeitura de Campo Grande para, sabe-se lá, atender a uma obsessão ou a uma fuga que só o tempo responderá.