CAMPO GRANDE
Ex-secretário de Finanças e Planejamento da Prefeitura de Campo Grande, o economista Pedro Pedrossian Neto utilizou informação falsa e argumentos frágeis para rebater críticas às gestões do ex-prefeito Marquinhos Trad (PSD). O neto do ex-governador Pedro Pedrossian deixou o cargo em abril para ser pré-candidato a deputado estadual pelo PSD.
Em entrevista ao jornal Correio do Estado, sábado (11), o ex-secretário afirmou que “há uma campanha organizada de alguns segmentos que estão buscando fazer uma desconstrução da gestão Marquinhos Trad e olhando de maneira equivocada alguns indicadores fiscais e financeiros da prefeitura”.
Para sustentar sua visão, declarou que o município está com a situação regular perante cadastros federais. “A cidade não está negativada em nenhum cadastro federal neste momento”, apontou, como se fosse normal que cidade do porte de Campo Grande pudesse deixar de cumprir regras básicas.
O Sistema de Informações sobre Requisitos Fiscais (CAUC) e o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) não são utilizados pelo Tesouro Nacional para analisar as condições fiscais dos Estados e municípios. Nesse caso, é o ex-secretário quem olha de maneira equivocada para os indicadores fiscais.
O CAUC, por exemplo, é uma ferramenta que oferece informações sobre a aplicação de recursos recebidos do Governo federal, como prestação de contas, e cumprimento de investimento mínimo em saúde e educação. Já o Cadin trata da inscrição em Dívida Ativa da União de débitos tributários e previdenciários.
Fake news
Ao defender a gestão de Trad, o ex-secretário se agarrou à informação falsa. Admitiu que o município desrespeita norma constitucional, de 54% da receita com pessoal, mas alegou que o problema ocorreu depois da mudança de critério, em 2021, o que não é verdade.
“De fato, nós deixamos as despesas acima do limite. Mas por que isso ocorreu? Entrou em vigor no ano passado a Lei Complementar nº 178, que estabeleceu uma nova forma de contabilização para a despesa de pessoal. Antes, era por regime de caixa; agora, é por regime de competência. (…) ”Ou seja, mudança na regra”.
Dados do Tesouro Nacional, no entanto, desmentem Pedrossian Neto. Revelam que, desde 2017, primeiro ano da gestão Marquinhos Trad, Campo Grande já desrespeitava a Constituição em relação a despesas com o funcionalismo.
Em 2017, o percentual atingiu 58,3%; em 2018, 62%; em 2019, 62,19%; e fechou 2020 em 62,1%, conforme gráficos do Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais (ver abaixo). Em 2021, os gastos com pessoal totalizaram 59,16% da receita do município.
Pedrossian Neto valoriza o fato de o município ter dívida consolidada baixa em relação à receita corrente líquida, o que revela nova leitura equivocada dos dados fiscais. Esse indicador tem pouco valor para medir a solidez fiscal dos municípios. Tanto que Campo Grande tem o índice sobre Capacidade de Pagamento reprovado pelo Tesouro, com nota C, desde o primeiro ano da gestão Marquinhos Trad, em 2017.
“De fato, nós deixamos as despesas acima do limite” – Pedrossian Neto, ex-secretário de Finanças de Campo Grande
O principal indicador, de acordo com normas federais, é a poupança corrente líquida — situação em que o governo de Mato Grosso do Sul, por exemplo, está tranquila, ao contrário da Capital. Nesse item, a cidade tem sido reprovada todo ano. Tanto que o órgão federal emitiu seguidos alertas para Campo Grande em 2017, 2018, 2019 e 2020:
“Para o caso de Campo Grande, solucionar o problema de caixa não seria suficiente, pois o indicador de poupança corrente desse município também indica elevado comprometimento das suas receitas com despesas correntes”.
“Está atrapalhando”
Durante todos esses anos, a gestão Marquinhos não conseguiu se enquadrar às exigências quanto à obrigatoriedade de haver sobra de 5% das receitas. Entre janeiro e abril deste ano, por exemplo, o comprometimento das receitas atingiu 97,75%.
O próprio ex-secretário confirmou ao Correio do Estado não haver espaço para investimento com recursos próprios e admitiu que o problema “está atrapalhando”.
“Emenda constitucional criou a necessidade que os municípios tivessem poupança corrente líquida. Por exemplo, se você arrecada R$ 100 milhões, não pode gastar com o custeio, pessoal e com a dívida mais do que R$ 95 milhões. Desse montante, tem de reservar R$ 5 milhões para poupança ou realização de investimento. De fato, nesse indicador nós não temos e isso está nos atrapalhando”, admitiu.
“De fato, nós não temos (condições de investir recursos próprios) e isso está nos atrapalhando” — Pedrossian Neto
Ao comentar sobre o montante de recursos em caixa, estimado em R$ 400 milhões, revelou que a formação desse chamado cobertor é por conta de um conjunto de mecanismos, como repasses de outras esferas de governo, cujas verbas são carimbadas, com destino certo. Não se trata, portanto, de dinheiro disponível para investir na cidade, como em obras nos bairros.
“Entre recursos de livre movimentação do Tesouro, recursos provisionados do 13º salário, para você ter uma ideia, R$ 153 milhões, e mais os recursos do Fundo para o Desenvolvimento da Educação Básica, que servem principalmente para o pagamento de pessoal, mas também de alguma parte do custeio da Educação”, descreve o ex-secretário.
Austeridade zero
Na entrevista ao diário da Capital, Pedrossian Neto não explicou que, no primeiro quadrimestre de cada ano (de janeiro a abril), há arrecadação atípica por conta do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e dos repasses constitucionais do Estado referentes ao IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores).
A arrecadação nos dois próximos quadrimestres deve registrar queda e, com isso, aumentar ainda mais o comprometimento da receita com o pagamento da folha de pessoal. Hoje, está em 56,40%, quando o limite constitucional é 54%, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em 5 anos, Marquinhos Trad e Pedrossian Neto não editaram qualquer medida de austeridade fiscal para reduzir as despesas obrigatórias
Em cinco anos de gestão, o ex-prefeito Marquinhos Trad e o ex-secretário de Finanças Pedrossian Neto não editaram qualquer medida de austeridade fiscal para reduzir as despesas obrigatórias. Só em 2021 a folha de pessoal totalizou R$ 2,364 bilhões.
Se tivesse cumprido a regra constitucional, a prefeitura teria economizado no mínimo R$ 210 milhões ao ano, dinheiro suficiente para contratar mais médicos, manter o estoque de medicamentos nas farmácias das unidades de saúde e concluir obras paralisadas. Também haveria recursos para resgatar a dignidade dos moradores de bairros abandonados pela gestão municipal nos últimos dez anos.