A verdadeira política — diz o professor indiano Rajeev Bhargava — não pode dar um passo sem já ter homenageado a moral. Assim que os dois entram em conflito um com o outro, a moral corta o nó que a política não pode desatar.
As denúncias contra o ex-prefeito de Campo Grande e pré-candidato a governador Marquinhos Trad são graves. Ou você tem relações sexuais com grande número de mulheres em Campo Grande, ou você é prefeito. Não há espaço para fazer as duas coisas ao mesmo tempo. E foi isso que Trad tentou fazer por vários anos, à sombra da impunidade.
Caso o detentor de cargo público insista com essa “rotina de vida inusitada” como se fosse normal, está apenas cavando o próprio buraco. Ocorreu com Marquinhos Trad, do PSD, cuja fama de galanteador, de Don Juan do Cerrado, remonta ao tempo de faculdade, passando pela docência, chegando aos órgãos do Legislativo e mais recentemente ao Executivo, onde suas peripécias parecem ter chegado ao fim, após mais de três décadas de intensa atividade.
A verdadeira política não pode dar um passo sem já ter homenageado a moral
Nessas duas últimas etapas da vida pregressa, digamos, Marquinhos Trad invadiu o campo público porque passou a ocupar cargo eletivo, em que sua condição sempre esteve acima da mulher cortejada, ou subjugada, na maioria das vezes em situação financeira inferior: vereador de Capital, deputado e prefeito.
Em qualquer outra situação, assediador do porte de Marquinhos Trad estaria preso, respondendo por seus crimes, sem o acobertamento da grande mídia estadual, como tem ocorrido com o ex-prefeito.
Em qualquer outra situação, assediador do porte de Marquinhos Trad estaria preso, respondendo por seus crimes
Os boletins de ocorrência em que as vítimas contam detalhes sobre os casos de assédio são chocantes pela forma espontânea com que o então prefeito enxergava seu comportamento, com naturalidade assombrosa, de “jovem sedutor e pegador da sociedade campo-grandense, sem esposa, sem filhos”.
Ocorreu com a garota de 17 anos, da Corporação Guarda-Mirim, que abriga jovens aprendizes, beijada na boca (selinho) pelo ex-prefeito, sem autorização, e que depois passou a sofrer pressão, até mesmo com a presença do principal assessor do prefeito na porta da sua casa, aguardando-a para “conversar”.
O longo tempo de assédio sem importunação das demais autoridades (polícia ou justiça) fez de Marquinhos um ser quase inimputável. Se ainda estivesse no cargo, sairia do Paço Municipal sob impeachment — e algemado.
Por vários anos, ele se colocou como um grande inquietador da tranquilidade alheia, utilizando o poder do segundo maior cargo do Estado, que comanda igualmente o segundo maior orçamento de Mato Grosso do Sul.
O longo tempo de assédio sem importunação das demais autoridades fez de Marquinhos um ser quase inimputável
Terça-feira (26), a imprensa de Campo Grande foi convocada para participar de entrevista coletiva com o ex-prefeito Marquinhos Trad, em um escritório de advocacia, no Jardim Bela Vista, na Capital.
O acusado não compareceu. Os jornalistas foram recebidos por duas advogadas as quais se ocuparam em desacreditar as denúncias e a questionar a rapidez com que os casos caminharam na esfera policial — a patética e manjada estratégia de questionar a origem das provas ao invés de responder às acusações.
Segundo um assessor, Marquinhos cumpria agenda no interior, como se houvesse algo mais importante naquele momento do que explicar acusações de assédio sexual denunciado por oito mulheres.
Marquinhos, na verdade, já estava mergulhado na sua psiquê, preparando narrativas para tentar se safar de um dos casos mais odiosos contra as mulheres sul-mato-grossenses.
Marquinhos deve estar preparando narrativas para tentar se safar de um dos casos mais odiosos contra as mulheres sul-mato-grossenses
O pré-candidato, o seu partido o PSD e seus irmãos — o senador Nelsinho e o deputado federal Fábio, candidato à reeleição — ainda têm gotas de saliva a gastar do ponto de vista legal, como a de que tudo não passou de “armação” contra um político que, de pronto, assumiu que teve relação com duas das quatro mulheres que o acusam.
Moralmente, não há mais o que se fazer. A candidatura está, inapelavelmente, no chão. Resta ao político assediador começar a redigir a carta da sua segunda renúncia em menos de cinco meses, sob pena de o sangramento começar a afetar pessoas mais próximas.