CAMPO GRANDE
“Poucos sabem como é o mundo de uma mãe com filho excepcional”. Essa é uma das frases extraída de relatos emocionantes de mães que decidiram denunciar as humilhações a que foram submetidas pelo deputado federal Loester Carlos Gomes de Souza, o Trutis, e sua esposa, Raquelle Lisboa Alves, ambos do PL. Ele é candidato à reeleição; ela, candidata a deputada estadual.
Em 24 de agosto de 2020, deputado e esposa inauguraram o Centro de Triagem de Atendimento de Famílias Especiais (CTAFE) para dar assistência a mães de filhos excepcionais. Famílias nessas condições foram convidadas para participar do ato, cuja solenidade contou também com a presença de suposto médico e até de promotor.
Ocorre que tudo não passou de encenação de Trutis e de Raquelle, segundo denúncia feita por várias mães ao MS em Brasília.
O caso foi noticiado quarta-feira (21), com exclusividade pelo MS em Brasília (ver aqui). Com a divulgação da instituição fictícia, outras mães se sentiram encorajadas a falar o que sabem sobre as ações sociais fakes do casal Trutis. Seis delas decidiram contar as humilhações que sofreram a partir da inauguração da entidade.
É também oportunidade para que a versão delas seja confrontada com a exploração maciça do suposto trabalho social pelas campanhas políticas do casal.
Medo e humilhação
O MS em Brasília apurou que o CTAFE não possui CNPJ nem registro no Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social, condição obrigatória para que qualquer instituição atue na área.
Pior: a sede da dita entidade funcionou apenas no dia da inauguração, dois anos atrás, no escritório do deputado federal, na Rua João Pedro de Souza, no Bairro Monte Líbano, em Campo Grande.
Para resguardar a identidade das mães, a reportagem utilizará nomes fictícios, já que quatro delas se disseram com medo de terem o nome exposto. Das seis mulheres, cinco completaram a conversa e uma não deu continuidade, alegando estar com receio de que ela e o filho fossem prejudicados.
O MS em Brasília, contudo, no sentido de dar transparência à reportagem, coloca à disposição das autoridades o material obtido junto às mães, como dezenas de áudios e conversas de texto, para verificação dos fatos narrados por elas, caso entendam procedentes.
Os depoimentos guardam bastante semelhança. Mães se dizem humilhadas por terem procurado a ajuda prometida, por meio da entidade, e recebido “porta na cara”. Relatam também que foram e são atacadas pelas redes sociais, além de algumas delas terem sido bloqueadas por Trutis e Raquelle.
Ouça, no vídeo abaixo, alguns relatos de mães de crianças especiais (vozes alteradas por programa específico):
“Ela tá usando isso na campanha”
Solange, mãe de um menino de 6 anos, com doença neuromuscular (DNM).
Foi uma das participantes da suposta inauguração da entidade em agosto de 2020. “Para mim, isso é atitude baixa falar que prestou atendimento através dessa entidade. Ela (Raquelle) disse que tinha feito 500 atendimentos. Mentira! Ficamos abandonadas durante a pandemia”, desabafa.
“Se esse CTAFE tivesse mesmo funcionando, ia ser maravilhoso. Perdemos mães durante a pandemia, outras tiveram e têm depressão, como é meu caso. Ficamos desassistidas”, acrescenta Solange, afirmando que a entidade fictícia foi criada porque Trutis pretendia disputar a Prefeitura de Campo Grande e, caso não conseguisse, como ocorreu, em razão da impugnação da candidatura do deputado, tentar vaga de vice para Raquelle em alguma chapa.
“Ficamos com cara de trouxas. Estivemos na inauguração e dezenas de mães passaram a procurar como fariam para receber atendimento. A Raquelle começou a nos bloquear. Muitas de nós foram bloqueadas no WhatsApp”, conta a mãe, afirmando que teve a imagem utilizada indevidamente pela entidade fantasma e seus criadores.
“Ela usou nossa imagem dessa inauguração falsa. Minha imagem foi usada com a logo da doença do meu filho. Eu exigi que ela retirasse a publicação porque é uma entidade falsa, que não atendeu a mim e ao meu filho, não atendeu minhas amigas. Não atendeu ninguém”.
Solange denuncia ainda que Raquelle Lisboa tem solicitado em grupos de WhatsApp que as pessoas convençam mães de filhos excepcionais a votarem nela, em razão dos “serviços prestados” pela entidade.
“Eu estava precisando muito de ajuda”
Andréia, mãe de adolescente de 16 anos, cadeirante, com paralisia cerebral.
Andréia esteve na “inauguração” do CTAFE. “As mães deram apoio porque foi dito a nós que teríamos orientação jurídica. Eu estava precisando muito desse apoio. Meu filho faz tratamento fora, precisamos de passagens e ajuda de custo. Tenho que levar ele sempre para Anápolis (Goiás)”.
A mãe afirma que os supostos atendimentos do CTAFE foram notícia no site MS1 Notícias, cuja propriedade é do deputado Loester Trutis, conforme revelado pelo MS em Brasília (ver aqui). Lá, tomou conhecimento de que o dito Centro atenderia até 300 famílias por semana.
“Entrei no site e desmenti. Mas fui atacada. Eles me chamaram de mentirosa, que eu não agia com verdade. Bati boca com o deputado. Nós, mães, sempre ajudamos umas às outras. São pedidos diários, como fraldas, leite, suplemento. A única ajuda que tivemos foi uma minicesta para 10 mães, com arroz, feijão, pacote de açúcar, um litro de óleo, um litro de leite, pacote de bolacha e três pacotinhos de frango a passarinho”, conta Andréia. “Tudo para nos atrair para a inauguração”.
Andréia afirma que as mães foram procuradas para criação de um centro de apoio, com psicólogo, assessoria jurídica e outros serviços. “Muitas mães vivem em depressão. Eu mesmo tenho crise de ansiedade grave. Fui à inauguração. Ganhamos flores, teve salgadinhos. E como a candidatura dele (Trutis) foi indeferida (na disputa pela Prefeitura de Campo Grande), eles não fizeram mais nada. E agora, na campanha, eles veem com essa conversa. Fico injuriada”.
“Poucos sabem como é o mundo de uma mãe com filho especial”
Silvia, mãe de uma criança de 10 anos, com mielomeningocele, conhecida como espinha bífida.
Essa mãe revela angústia e sofrimento parecidos, como ter participado da inauguração, nunca ter sido atendida, que teve a imagem usada indevidamente, além de ter se surpreendida com o uso das ações sociais fakes durante a campanha — a de reeleição de Loester Trutis como deputado federal e a de Raquelle Lisboa como deputada estadual. “É um absurdo eles estarem usando isso na campanha e ainda usam nossas crianças como referência (do atendimento). É muito triste. Fomos usadas”, relata.
“As pessoas não têm ideia do que passamos com nossos filhos excepcionais. Poucos sabem como é o mundo de uma mãe com filho deficiente. Nós nos abrimos para eles, choramos na frente deles, já que queriam nos ajudar. Mas nada aconteceu. É triste porque são pessoas que prometeram melhorias para gente. São gananciosos, ficam atrás de dinheiro”, reforça.
Silvia afirma que as mães que decidem denunciar o deputado e a esposa são xingadas e atacadas nas redes sociais do casal. “Conhecemos toda a história. É tudo fake news”, sustenta.
“Eles nos usaram com esse centro de apoio falso”
Janaína, mãe de uma menina de 10 anos, com paralisia cerebral. A criança tem ainda autismo e epilepsia.
“Eles usaram as famílias de crianças excepcionais com esse tal centro de apoio. Nunca existiu. Foi inaugurado. Fomos eu mais outras amigas na inauguração, demos sugestões e ideias pra Raquelle. Agora está fazendo campanha como se tivesse feito algo pra nós. Deram pra nós uma cesta básica pequena e mais nada. Tudo mentira desse casal. Ainda usaram nossa imagem sem nosso conhecimento, falta de vergonha. Irresponsável fazer política com notícias falsas. Estamos todas indignadas”, desabafa Janaína.
Agora está fazendo campanha como se tivesse feito algo pra nós
A mulher reforça depoimentos de outras mães de que foram xingadas e ameaçadas por contestarem supostas mentiras postadas pelo casal nas redes sociais deles, especialmente a partir de junho deste ano, com a aproximação do período eleitoral. “Somos muitas mães e passamos pelas mesmas situações”.
“Ela visitou as mães, levou mimos e tirou muitas fotos”
Kátia, mãe de uma menina de 12 anos, com paralisia cerebral, microcefalia, epilepsia e autismo.
Kátia decidiu se mudar de Campo Grande, onde, segundo ela, não tinha apoio de nenhum órgão. Se disse surpresa ao assistir a um vídeo em que a candidata a deputada estadual Raquelle Lisboa Alves, mulher de Trutis, fala sobre os trabalhos sociais desenvolvidos para famílias com filhos excepcionais.
“Não, não fomos atendidos. Esse centro nunca existiu, só fachada. Ela fez uma visita a algumas mães, levou mimo e tirou fotos com a gente. Fez a conversa dela. Disse que ia ajudar nos processos judiciais que temos. E quando a gente procurava por ela, não éramos atendidas. Falava que ia ajudar, mas nunca fez nada”, desabafa Kátia.
Logico que ela fez tudo isso pra se promover, pra sair candidata agora
Afirma que, depois de pouco tempo, as mães passaram a sentir que a entidade era somente de fachada. “Ela não me passou confiança. Logico que ela fez tudo isso pra se promover, pra sair candidata agora. Sei que tudo foi jogo político. Sei como funciona. O centro foi uma forma de reunir as mães e mostrar que ela estava ajudando. Nunca tinha ninguém. Sempre tinha desculpa”, descreve.
A revolta de Kátia aumentou depois que assistiu a um vídeo de Raquelle na internet. “Na pandemia, ela disse que nos ajudou. Não me lembro de ter sido ajudada. Não queria me envolver porque são pessoas fortes, pessoas grandes e a gente fica meio com medo de se expor. Temos filhos excepcionais e nossa vida não é nada fácil”, desabafa. “As mães de filhos especiais vivem fazendo rifas para manter o tratamento dos filhos”.
Outro lado
O MS em Brasília encaminhou terça-feira (20) pedido de esclarecimentos à Raquelle Lisboa Alves sobre as denúncias feitas por mães de crianças especiais, mas não houve retorno. Espaço segue aberto a ela e ao marido Loester Trutis.
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